Cannabis e o equilíbrio do tratamento: quando o bem começa a fazer mal

Em uma metanálise publicada em 2020 pelo JAMA, 47% dos pacientes experimentaram algum tipo dos sintomas de síndrome de abstinência quando retiraram a terapia, contudo, isso é mais normal do que pensamos

Publicada em 30/11/2022

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Por Adriana Russowsky

Muito se fala sobre tratamentos com a cannabis, mas pouco se fala em duração, jejum e retirada do tratamento. Já sabemos que os receptores saturam com uso crônico e causam tolerância. Economicamente, também muitas vezes não é viável. Existe uma autorresponsabilidade importantíssima que exige ampla compreensão, que pode ser obtida pelo mercado e conhecimento diversificado, tecnológico e criativo. Hoje este, mais do que nunca, pode ser democrático e, às vésperas de uma nova gestão governamental, a população será informada corretamente, posicionando-se sobre o tema e também expressando sua opinião.

Tratamentos à base de fitoterápicos normalmente são feitos entre 3 e 6 meses. Depois, com avaliação adequada, o método é alterado para manter a integralidade do equilíbrio. Temos fígado, rins, pulmões e receptores sujeitos a saturação e tolerância. Todos são únicos e, por isto, cada caso é um caso. 

Autopercepção individual é essencial, mas é você e seu médico que vão decidir quanto tempo dura o consumo. Tudo pode ser mesclado e ponderado na terapia, se bem desenhado e orientado.

A ação

Fumando, vaporizando ou com pipes, o efeito é rápido, logo no início, perdura durante um período razoável com  as sensações desejadas. Em formato de óleo, o efeito começa após 30 a 60 minutos, com duração de aproximadamente  2, 4 a 6 horas, dependendo do organismo. Já a medicina aplicada como tópico na pele, a ação do extrato tem início em 20 minutos, em caso de alívio para dor e, dependendo do veículo utilizado, além de  outros fatores. Ainda existem opções com moléculas modificadas, que otimizam esse start. Se pensarmos em quanto tempo os canabinoides ficam no organismo, temos relatos de períodos de 1 a 30 dias em fluidos, para total detoxificação, mas variam de dose, frequência e do tipo dos canabinoides utilizados.

Dependência

Vivemos num mundo veloz, sutil, dual. A linha é tênue entre bem e mal, demais e de menos, tudo isso nos fala muito sobre equilíbrio e adaptação ao que nos é dado. O mesmo acontece com a dependência. 

Poderia sempre ser chamada de vício? 

Ao raciocinarmos com mais afinco sobre o assunto, atualmente temos várias maneiras de obter o que queremos por meio de estratégia, meta, ação, execução, pausa, reflexão para os erros e acertos. Esse é um meio de transição entre dependência e liberdade e mais do que isso, assumir o controle do seu corpo e de seus sentidos. E o conhecimento adquirido por meio  do mercado traz respostas. Como para casos de estimulantes como café, venvanse ou a cocaína, talvez plantas como a Jack Herer, ricas em terpenos terpinoleno/cariofileno/humuleno/mirceno, sutilmente floral, terrosa e picante, trazendo efeito antiinflamatório e analgésico, que promove foco.

Ou, por que não, se beneficiar por um tempo com óleos essenciais, chás e fitoterápicos com as mesmas propriedades? Hoje temos base e assessoria para a questão. Se a terapia com opioides ficou pesada, e seu fígado está precisando de uma detoxificação,  existem cremes enriquecidos com extratos no mercado, e você pode até conseguir legalmente plantas apropriadas para seu quadro geral, para inalação, ou como achar melhor.

Em 2022, quando falamos do uso do tabaco associado, temos dados e educação estabelecida sobre o assunto, bem como leis. Quando fica pesado, excessivo, com efeitos colaterais e caro, enxergamos que é chegada a  hora de jejuar, repensar, reprogramar e readequar. 

Aproveito para também entrar na questão e comentar sobre o difundido uso do haxixe. É muito importante estarmos atentos aos sinais da retirada de cannabis, especialmente porque as pessoas têm dificuldade de dar continuidade na abstinência.

Isso desregula o sistema endocanabinoide de alguma forma, e nota-se humor oscilante, irritação, depressão, ansiedade. Existem algumas drogas alopáticas e protocolos testados como base para a retirada da planta em caso de vício, além de opções naturais e integrativas. Mas exige, claro, força de vontade, ponderação e autocontrole. Uma forma de desenvolver inteligência emocional e poder sobre os seus sentidos, afinal, o mecanismo de dependência pode envolver interações entre os sistemas e canabinoides, dopaminérgico e opioide. A administração crônica pode desregular e dessensibilizar o receptor CB. O corpo pode, inclusive, parar de produzir os endocanabinoides que já produz naturalmente. 

Não se desespere

O que posso dizer com base em estudos é que aparentemente dois ou  três dias, sem cannabis, são suficientes para os receptores voltarem ao normal, e sua funcionalidade original repara em quatro semanas. 

Mas e o uso crônico? Diminuir a dose gradualmente em períodos sem crise e estáveis, “jejuar” por um tempo. Assim como funciona com comida. Na verdade, todo o conhecimento que se difunde sobre medicina integrativa traz a resposta para a questão, em diversas áreas.  Afinal, nada é bom o tempo todo. 

Ferramentas para facilitar o processo? Exercício, chás, plantas, remédios para fins específicos por períodos controlados, consumir comidas saudáveis e apropriadas funcionalmente. Férias, por que não? Um novo programa nutricional? Não podemos deixar de falar sobre a cepa/produto específica. Profissionais do ramo podem ajudar, além de testes genéticos e outros tipos de orientação clínica. Já é comum muitos dos pacientes interessados terem mais de um tipo de produto em mãos. Mas tudo sempre é responsabilidade de cada um. 

A retirada e o jejum

Quando a continuidade é necessária, se possível, faça períodos de jejum do produto, utilizando outros esquemas para controle dos sintomas. Óleos essenciais, plantas, dietas e toda uma bagagem trazida pela medicina integrativa estão aí para auxiliar e já foram comentadas em meus artigos. Em casos extremos, o jejum pode não ser recomendado, mas os fármacos tradicionais também podem ser uma muleta durante o período, com o intuito de otimizar o tratamento e a saúde. Em uma metanálise publicada em 2020 pelo JAMA, 47% dos pacientes experimentaram algum tipo dos sintomas de síndrome de abstinência ao retirar a terapia. É normal e depende da constituição de cada um.  E não é somente sobre canabinoides como o THC, onde se experimenta irritabilidade e falta de fome, mas também falamos de CBD, pois é notado ansiedade, fadiga e inquietude durante a fase. 

Se pensar em café e cafeína, os leitores já sabem que o corpo sente falta nos primeiros dias. Mas, com todas essas substâncias comentadas, até mesmo sintomas físicos como dor, tremores, suor, febre e dores de cabeça são experimentados em alguns casos. Se puxarmos para a temática de medicamentos como antidepressivos, a abstinência ocorre até de forma mais agressiva ao corpo e mente.

É tudo questão de saber o que quer para você e como trilhar o caminho para chegar lá, com persistência. Erros e acertos são os bônus desta jornada, que é a vida.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

Sobre a autora:

Adriana Russowsky integrou o mercado canábico logo nos primeiros anos em que a medicina com Cannabis iniciou no país, pois devido seus estudos aprofundados e acadêmicos de fitoterapia, voltou seu olhar para as terapias com plantas e nutrientes, e utilizou como base sua experiência profissional e estudos em medicina integrativa. 

Hoje compõe e realiza estratégia os protocolos que desenvolveu e criou, dentro de empresas de comercialização de cannabis e de clínicas canábicas no país, e acredita que devem as instituições científicas e educacionais melhor informar os futuros médicos e outros profissionais desta necessidade de conhecimento, ampliando acredita o correto acesso a comunidade.