Um caminho sem volta

Ao aceitar o convite para ser colunista deste portal, assumi o compromisso de compartilhar com os leitores toda a minha experiência com o mercado canadense de cannabis, visando desconstruir estigmas e educar a sociedade sobre o assunto

Publicada em 05/08/2022

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Por Tiago Zamponi

Na semana passada recebi um vídeo que está circulando em grupos de whatasapp no Brasil de uma rua em Vancouver cheia de moradores de rua usando drogas, associando o fato à legalização da maconha. O que é não é verdade. Moro no Canadá há 8 anos e essa situação já existia bem antes da legalização.

Não pretendo entrar na discussão sobre como cada governo lida com os moradores de rua e o uso de drogas, no entanto, senti-me obrigado a fazer uma análise e, por meio de fatos, demonstrar como a cannabis tem sido vista e tratada aqui, visando combater a desinformação. As primeiras evidências mostram que as preocupações iniciais sobre a legalização não se concretizaram e os principais objetivos estão sendo cumpridos.

Em 17 de outubro de 2018, o Canadá legalizou a venda e o consumo de cannabis, permitindo que adultos com 18 anos ou mais sejam legalmente capazes de:

  • - Possuir até 30 gramas de cannabis legal, flor ou equivalente em forma não flor em público;

  • - Compartilhar até 30 gramas de cannabis legal com outros adultos;

  • - Comprar cannabis  e óleo de cannabis de um varejista licenciado pelos estados;

  • - Em estados e territórios sem uma estrutura de varejo regulamentada, os indivíduos podem comprar cannabis on-line de produtores licenciados pelo governo federal;

  • - Cultivar, a partir de sementes ou mudas licenciadas, até 4 plantas de cannabis por residência para uso pessoal;

  • - Fazer produtos de cannabis, como alimentos e bebidas, em casa, desde que não sejam usados solventes orgânicos para criar produtos concentrados.

É importante ressaltar que o governo canadense buscou criar uma lei que protegesse a saúde pública por meio de normas rígidas de segurança e qualidade, a fim de: 

01) Manter a cannabis fora do alcance dos jovens; 

02) Manter o lucro fora do bolso dos criminosos;

03) Proteger a saúde e a segurança pública, permitindo que os adultos tenham acesso à cannabis legal

O governo do Canadá comprometeu cerca de US $46 milhões nos próximos cinco anos para atividades de educação e conscientização pública sobre a cannabis. Destinados a informar os canadenses, especialmente os jovens, sobre os riscos de saúde e segurança do consumo de cannabis.

A legalização resultou no surgimento de uma indústria multibilionária, novos empregos e receitas fiscais.  Em maio de 2022 as vendas de cannabis legal para uso adulto no Canadá totalizaram um recorde de 375,8 milhões de dólares canadenses (US $292,1 milhões), representando um aumento de 0,7% em relação às vendas de abril em uma base não ajustada, de acordo com novos dados da Statistics Canada.

Também houve menos condenações por drogas relacionadas à cannabis entre os jovens e a idade média de início (primeiro uso) aumentou de 18,9 anos em 2018 para 20,4 anos em 2021.

E o mais importante, na minha opinião, é o fato de que a legalização permitiu que novos estudos científicos fossem realizados para demonstrar os benefícios e riscos do uso da cannabis (assunto já abordado em outro artigo deste portal – Flexibilidade a caminho no Canadá – Parte 2 - Sechat)

Um ponto ainda que precisa ser melhorado é na área de anistia e inclusão. Muitas jurisdições dos Estados Unidos, por exemplo, que legalizaram a cannabis também limparam automaticamente os registros criminais de pessoas condenadas por crimes históricos de cannabis (por exemplo, crimes de posse que não estão mais nos livros) e introduziram medidas para ajudar os afetados negativamente pela Guerra às Drogas. Temos sido lentos para avançar nesse sentido.

Por mais que existam pessoas que não concordem com a legalização da cannabis, seja para uso medicinal ou recreativo, não há como evitar esse movimento, à medida que a indústria amadurece, a cannabis se torna menos estigmatizada.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre o autor:

Tiago Zamponi é advogado, mora no Canadá, trabalha com desenvolvimento de negócios e atualmente é diretor de vendas na Molecule, uma empresa canadense de bebidas de cannabis.