Turn on, tune in, drop out: A ciência dos psicodélicos, adição e doenças mentais

Da psilocibina a mescalina, Adriana Russowsky explica como algumas plantas normalmente conhecidas como drogas, podem ser úteis na medicina convencional

Publicada em 28/06/2022

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Por Adriana Russowsky

Flores, plantas, cogumelos, cannabis, o que a etnofarmacologia tem a nos dizer? Ligue, sintonize e saia. Timothy Leary profetizou isto para 30 mil pessoas em 1966 na convenção Human Be-in em São Francisco (EUA), em meio a um pico de publicações nas décadas de 50 e 60, que vem sendo retomadas, iniciando um pedido cultural através da introdução dos psicodélicos na sociedade. Hoje, o tema, antes conhecido pelo público leigo somente através do universo hippie, cai no gosto da comunidade médica, pois tem estudo e aplicação em ascensão. O que acontece é que os tratamentos convencionais de primeira linha, podem levar semanas ou meses para produzir redução de sintomas clínicos. Os pacientes podem ter dificuldade para aderir, devido às reações adversas, e, muitas vezes, sem resposta clínica ou originando outro desafio de saúde. 

Tratamentos psicodélicos crescem através de aplicações pontuais e multidisciplinares. Os alucinógenos são psicomiméticos, ou seja, mimetizam uma certa psicose. E a etnofarmacologia, a ciência biológica responsável pelas relações das plantas e fungos com animais e sociedades humanas tradicionais e modernas, vem trazendo informações na mídia sobre alternativas no ramo da saúde mental, saindo do empirismo e entrando na ciência médica. A cannabis, veio para abrir estas portas atualmente. O que vem me parecendo extremamente interessante são as evidências clínicas, demonstradas através de questionários e testes de qualidade de vida aplicados nos grupos de pacientes. Afinal, o que é mais importante de fato, é este retorno, pois grande parte das pessoas acaba se sentindo melhor. A multidisciplinaridade profissional da equipe e o afeto e cuidados providenciados aos pacientes, com certeza otimizam estes casos de sucesso. 

Cogumelos e Psilocibina

O mecanismo de ação da psilocibina ainda não está bem elucidado. Sua molécula pertence ao grupo das triptaminas, semelhante a serotonina, e se liga a receptores responsáveis pela modulação de humor e comportamento. Embora sem previsão regulamentar, terapias com cogumelos não são ilegais no Brasil, comentou o advogado Emílio Figueiredo em maio deste ano no site UOL. A comunidade de pesquisa médica em nosso país já é forte, e algumas iniciativas e startups pensando no crescimento do setor já começaram. Testes de níveis de psilocibina em cogumelos, serão iniciados em breve, pensando em posteriores testes clínicos, na Universidade Federal de Campina Grande. Porém, a substância psilocibina é proscrita na listagem da Portaria 344 de 1998 da ANVISA. Mas o tema e utilização nunca estiveram tão presentes, seja no uso recreativo ou dentro de instituições de ensino e pesquisa. 

O estudo publicado em fevereiro deste ano de 2022 no jornal de Psicofarmacologia de Oxford (1), com 27 pacientes (e concluído por 24) apresentando depressão moderada a grave, durou 12 meses, conferiu o resultado a longo prazo da terapia. Utilizando psilocibina duas vezes ao dia, em ambiente controlado, agradável e escuro, não houve relatos de efeitos adversos neste tratamento contínuo. Agora, é esperar a evolução de estudos e evidências clínicas, ainda há um grande caminho a se trilhar. O que se vê e escuta por aí são relatos extremamente positivos. Enquanto isto, o mercado recreativo está “aquecidíssimo”.

Iboga e Ibogaína

A ibogaína interage com nossos neurotransmissores ligados ao vício e adição, incluindo nicotínicos, de serotonina e opióides. A planta africana iboga, aplicada com resultados positivos em clínicas médicas de reabilitação no país (podem importar a planta e controlar em casa o tratamento, que exige extrema cautela e atenção pelas equipes multidisciplinares das instituições) vem ganhando atenção nos canais de informação. Neste ano de 2022 foi publicado um estudo clínico observacional para substituição de opioides na Revista Addiction (2) com ibogaína isolada. O que se observa e pontua é sobre a ataxia transitória, este estado que a pessoa não consegue se movimentar durante o tratamento, por isto todo este cuidado envolvido, e a necessidade de instituição de protocolos clínicos. Além do mais, o risco cardíaco é alto, portanto, somente recomendado sob extremo cuidado e experiência da equipe. Mas os resultados são realmente satisfatórios, os relatos não podem negar, vem auxiliando a vida de muita gente, principalmente relativos a adição ao crack e cocaína.

Papoulas, Ópio e Cannabis

A papoula é uma linda flor, cultivada de maneira ornamental, porém vetada em diversos países, inclusive nos Estados Unidos. No Brasil, a semente não é restritiva para importação, mas o cultivo de Papaver somniferum é proibido pela portaria ANVISA 344 de 1998. Já sabemos da história mundial do ópio e sobre a extração de morfina e opióides. Seu chá, agindo no sistema nervoso central, poderia ter sucesso como calmante leve, mas isto será uma temática que ainda demorará um pouco a surgir novamente, bem como o das folhas de coca (que não são alucinógenas): a questão é um pouco mais profunda e menos ampla cientificamente do que a envolvendo a sagrada Cannabis. 

Os opióides, medicamentos que foram sintetizados a partir do ópio, causam efeitos adversos severos e enorme potencial de adição. Houve uma redução inclusive dos casos de suicido induzidos pela droga após a descriminalização da Cannabis nos Estados Unidos. O aumento da prática clínica, utilizando a lógica do Sistema Endocanabinoide vem melhorando o dia a dia de muitos pacientes, e a Cannabis vem como uma arma incluída no arsenal da guerra contra a dor.

Ayahuasca

Aqui não falamos de uma planta isolada, falamos de uma cocção aplicada de forma ritualística de duas espécies, o cipó de Mariri e as folhas da super antioxidante Chacrona, utilizadas nas medicinas ancestrais. Dose única ou em meio a eventuais celebrações, é conhecida pelos efeitos adversos gastrointestinais, o que acaba sumindo após tolerância do organismo. Se tomada junto com antidepressivos, pode causar síndrome serotoninérgica, o que não é agradável. É como uma overdose no cérebro. 

Um estudo publicado em 2021, controlado por placebo, analisando participantes em retiros utilizando a prática (3), conta sobre os resultados de “dissolução do ego”, particularmente interessante como experiência na terapia psiquiátrica. Comentam também sobre a individualidade e diferença da dose necessária para que a pessoa chegue ao estado desejado de alteração de estado de consciência. Fala também do grande sucesso de casos, comentados pelos facilitadores do processo e pelos pacientes, de mudanças positivas no sistema mental, após as cerimônias. De fato, os relatos com relação a melhora de níveis de adição e depressão por parte dos pacientes é animador. O bacana é que muito carinho e cuidado é aplicado pelos grupos terapêuticos e pelas comunidades indígenas, o que com certeza é parte imprescindível da ritualística.

Cacto de São Pedro, Peyote e Mescalina 

O cacto de São Pedro (Echinopsis pachanoi) é de ocorrência da América do Sul, bem como o peruano Ecnhinopsis peruviana. Já os cactos peyote Lophophora williamsii, presentes na América do Norte. Em meio a outras espécies nativas regionais das américas, são ricos em mescalina, alcalóide com registros ancestrais de utilização ritualística. Estudos já demonstram que em meio ao grande aumento de atividade cerebral, não são encontrados riscos de adição e dependência (4), e déficits cognitivos nas populações analisadas com a utilização a longo prazo (5). Seu potencial de tratamento vem sendo falado para depressão, ansiedade, dores de cabeça, transtorno obsessivo-compulsivo e adição, principalmente com álcool (4,5). Esta prática com alcoolistas é comum nas Igrejas Nativas Americanas, nas comunidades tradicionais, e a cerimônia com a planta faz parte do tratamento. Os estudos, aqui, ainda estão mais devagar, principalmente devido à legislação. 

Outras Ervas

A natureza é realmente muito rica. Com o olhar da biologia, vemos este patrimônio mundial e as opções que o mundo da fitoterapia nos traz. O alerta global para temas como a saúde e estética corporal, e a busca por uma alimentação mais natural, longe de químicos e industrializados (já sabemos seus malefícios, em meio a questões urgentes e eminentes de sustentabilidade e redução de produção de lixo) vem a inspirar cada vez mais quando o assunto são doenças e vícios, e o mercado não para de brilhar e crescer. Sendo assim, plantas têm uso em protocolos, embasadas em evidências médicas. O Brasil é realmente uma mina de ouro em conhecimento ancestral e riqueza de biodiversidade. Iniciativas como as Farmácias Vivas do Sistema Único de Saúde, e as Associações de Pacientes, bem como clínicas psiquiátricas, são incubatórios ideais na transição das plantas com uso indiscriminado para as aplicações farmacêuticas fitoterápicas. Com tempo, cuidados corretos e informação, a proximidade e reintrodução do ser humano ao seu habitat natural gerará muitos resultados positivos na sociedade, principalmente relativos a maneira como manejamos nosso cotidiano e desafios mentais.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

Sobre a autora:

Adriana Russowsky integrou o mercado canábico logo nos primeiros anos em que a medicina com Cannabis iniciou no país, pois devido seus estudos aprofundados e acadêmicos de fitoterapia, voltou seu olhar para as terapias com plantas e nutrientes, e utilizou como base sua experiência profissional e estudos em medicina integrativa. 

Hoje compõe e realiza estratégia os protocolos que desenvolveu e criou, dentro de empresas de comercialização de cannabis e de clínicas canábicas no país, e acredita que devem as instituições científicas e educacionais melhor informar os futuros médicos e outros profissionais desta necessidade de conhecimento, ampliando acredita o correto acesso a comunidade.

Referências:

  1. Gukasyan, N. et al. Efficacy and safety of psilocybin-assisted treatment for major depressive disorder: Prospective 12-month follow-up. Journal of Psychopharmacology; 36(2): 151-158, 2022.
  2. Knujiver, T. et al. Safety of ibogaine administration in detoxification of opioid-dependent individuals: a descriptive open-label observational study. Addiction; 117(1):118-128, 2022.
  3. Uthaug, M. V. A placebo-controlled study of the effects of ayahuasca, set and setting on mental health of participants in ayahuasca group retreats. Psychopharmacology; 238(7):1899-1910, 2021.
  4. Dinis-Oliveira, R. J. et al. Pharmacokinetic and Pharmacodynamic Aspects of Peyote and Mescaline: Clinical and Forensis Repercussions. Pharmacology, 12(3):184-194, 2019.
  5. Halpern, J. H. Psychological and Cognitive Effects of Long-Term Peyote Use among Native Americans. Biological Psychiatry, 58(8): 624-631, 2005.