‘’Temos que dar subsídios para que as pessoas pensem e façam seus próprios julgamentos sobre a cannabis’’, diz historiador

Para o professor Jean Marcel Carvalho França, autor do mais importante livro sobre maconha no Brasil, é importante se distanciar de ideologias para discutir a planta no contexto brasileiro

Publicada em 02/10/2022

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Por Sofia Missiato

Lançado em 2015 pela editora ''Três Estrelas'', o  livro "História da Maconha no Brasil" preenche uma lacuna de informação que existe sobre o tema no país. Naquele período, a obra foi esgotada rapidamente, o que deixou alguns leitores desamparados. Agora, em nova impressão pela editora Jandaíra, a obra retorna em um momento em que a população parece demonstrar maior curiosidade pelo tema.

Em seu estudo, o historiador e professor titular da Unifesp, Jean Marcel Carvalho França, revela os caminhos percorridos pela Cannabis sativa no país. A planta, então exótica para a região, foi plantada pela primeira vez em 1770, e tinha a intenção de produzir cordas e velas navais, tal qual era feito na Europa. A empreitada, no entanto, não deu certo.

Ao traçar a linha dos fatos históricos, o autor oferece argumentos importantes para a discussão sobre legalização e regulamentação  da cannabis que, no começo do século XX, sofreu ações severas de criminalização. Em entrevista ao Sechat, Jean Marcel conta como a longa história de estigmatização da erva afeta até hoje as políticas públicas, e afirma que, apesar de certa glamourização, o tema ainda desperta pouco interesse da população geral.

O hábito do canabismo era visto como um vício associado a hábitos herdados por escravizados africanos, e, por esta razão, perseguido pelas elites brasileiras. O professor entende que a população tem pouco interesse em discutir a descriminalização da maconha por conta da falta de avanço e informações sobre o tema por aqui, e não por conservadorismo.

(Foto: Divulgação)

Para o historiador, o fato de não haver discussão e cobrança nos representantes é resultado da própria imobilização das pessoas: ‘’Se a população não pressiona seus deputados, é porque ela não vê isso como uma discussão relevante. Ela está dizendo indiretamente que, para ela, está bom do jeito que está’’. 

O autor também explica sobre a importância de encontrar meios para lançar a discussão e, dessa forma, gerar interesse da sociedade. ‘’Você não pode apresentar argumentos para os já convertidos. Você vai ficar eternamente falando para eles e os pagãos vão continuar pagãos. É difícil achar o tom. E não é um problema do governo propriamente dito. Quando a população quer, ela pressiona seus representantes. Que ela tenha poder suficiente e haja um grupo forte para fazer os projetos andarem. Se não existe isso, é porque, na ordem de prioridades da população, isso não parece relevante.”

Agro pode ser beneficiado

O cânhamo é uma variedade da Cannabis sativa, definida pelo baixo teor de THC em sua formação genética. Ou seja, esta variação da planta não é usada para fins recreativos e pode ser cultivada para aplicação em diversos setores da indústria. O homem do campo e os pequenos agricultores, por exemplo, poderiam ser beneficiados por políticas econômicas visando esta vertente do agronegócio - que hoje corresponde a uma fatia relevante do PIB brasileiro. 

‘’Se você é a favor da legalização é importante pensar na retirada da maconha do ciclo da violência, pois enquanto ela estiver inserida será muito difícil convencer o cidadão comum. Um modo de se retirar é trazer a figura do médico, porque os padrões de produção medicinal são diferenciados. Você tem que ter controle, já que o laboratório que tem uma plantação não está inserido na guerra às drogas, está produzindo em pequena escala um tipo específico, de estudo específico.’’

O historiador cita o Canadá como exemplo de país que optou por esse caminho. Hoje, a nação norte-americana tem uma legislação avançada sobre o assunto. ‘’Os parâmetros de produção em cannabis medicinal estabelecem quem pode produzir, de que modo pode produzir e que variantes se pode produzir para atender essa ou aquela necessidade da indústria farmacêutica. Essa é uma discussão que eu acho que é racional e que dá para entrar na pauta. Agora, se toda vez que se for explicar isso você puxar para o uso recreativo, as pessoas sempre vão suspeitar.”