Sobre tapar o sol com a peneira

Disponibilizada via formulário eletrônico, a Consulta Pública do CFM confunde cidadãos com perguntas complexas, falta de alternativas e direcionamento das respostas, dificultando o entendimento por quem não possui familiaridade com o tema

Publicada em 06/12/2022

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Por Maria Ribeiro da Luz

Depois do infeliz lapso de tentar proibir a livre prescrição de cannabis por médicos, com a Resolução CFM nº 2.324/2022, o Conselho Federal de Medicina foi alvo de grande pressão pública, por pacientes, seus familiares, médicos e atuantes da indústria, que se uniram para lutar por uma causa comum, a favor da ciência, saúde e liberdade. 

Por si só, a resolução em questão já configura um grande equívoco. Seja pela natureza desumana de tentar negar saúde aos brasileiros, ou por tentar ignorar o fluxo do mundo no que diz respeito ao avanço da pauta canábica, tanto na esfera política, quanto na área da saúde.

Se aprofundarmos um pouco mais, a resolução demonstra falta de conhecimento em questões básicas sobre ciência da cannabis, pois prevê somente o uso do canabinoide queridinho, o canabidiol, excluindo todos os outros disponíveis na planta e a possibilidade de benefício com o efeito comitiva. A resolução proíbe também a prescrição da cannabis in natura e de outros derivados da substância para o uso medicinal. A  Resolução ainda restringe o tratamento à condições específicas - epilepsias da criança e do adolescente refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa - deixando de fora todos os outros pacientes que já se beneficiam com a planta. 

Em outubro passado, após pressão pública e diversos protestos organizados Brasil afora, o CFM tenta se retratar com a publicação de uma nota de esclarecimento destinada a médicos e brasileiros, seguida do lançamento de uma Consulta Pública para receber sugestões acerca da Resolução CFM nº 2.324/2022. Com objetivo de coletar contribuições da população para a atualização da Resolução, de forma mais ética, sensata e coerente, a consulta pode ser respondida até 23 de dezembro de 2022.

Uma luz na escuridão. (Imagem: Jonas Tavares do THCamera)

Disponibilizada via formulário eletrônico, após informar alguns dados de identificação, o preenchimento desta consulta pública consiste basicamente em possibilitar ao cidadão a opção de reescrever cada artigo da resolução. Aparentemente simples, essa falta de alternativas e direcionamento, parece mais uma armadilha. 

A criação de um instrumento para viabilizar a manifestação dos cidadãos, deveria atender às necessidades de todos, para que estes estejam aptos a responder e a se posicionar acerca do tema. Mesmo pacientes e profissionais do ecossistema da cannabis, que preencheram a consulta pública, encontraram dificuldades na falta de opção e estrutura das perguntas. Como um cidadão que não tem familiaridade com o tema, mas deseja se posicionar poderia sugerir uma cláusula para a resolução?  

Disponibilizar uma consulta pública implica propor transparência e eficiência para abarcar os diferentes níveis de participação comunitária. Soa bonito e inclusivo, quando de fato, além de existir, a consulta instrumentaliza a sociedade a se posicionar. No caso, parece estarmos diante de uma manobra desesperada para acalmar os ânimos dos descontentes com a nova Resolução, e exteriorizar falsas intenções de democratização para a regulamentação da cannabis.

As contribuições ainda podem - e devem -  ser encaminhadas por meio deste link até 23/12. Se trabalhamos pela mesma causa - e foi justamente lindo ver a união de todos nos protestos e manifestações seguidos da publicação da Resolução - devemos também militar para que a regulamentação da planta se faça com excelência e sobretudo com base na ciência, humanidade e inclusão. Tapar o sol com a peneira não será uma opção, falsas manobras pseudo democráticas, não passarão.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre a autora:

Maria Ribeiro da Luz é fundadora da Anandamidia, uma empresa especializada em mídias diversas para cannabis, que opera entre Brasil e Canadá. Maria está imersa no universo da cannabis no Canadá, e em suas colunas, aborda ciência, história e inovações do mercado norte americano, com o intuito de fortalecer a causa no Brasil.

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