Simpósio sobre cannabis reúne cientistas, ex-diretores da Anvisa e ativistas na USP

Evento também contou com a presença do Dr. Elisaldo Carlini, pioneiro nos estudos da maconha no Brasil, que fez uma palestra emocionada sobre a luta pela sua pesquisa

Publicada em 06/11/2019

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O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) e a associação Cultive promoveram na tarde e noite desta terça-feira (06), em São Paulo, um simpósio sobre a cannabis terapêutica no Brasil. O evento colocou no mesmo auditório da Faculdade de Direito da USP quatro ex-diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, cientistas como Dr. Elisaldo Carlini e ativistas da causa.

O encontro foi aberto pela farmacêutica Daniela Marreco Cerqueira, gerente de Produtos Biológicos da Anvisa. Ela apresentou ao público a resolução proposta pelo órgão para o registro de medicamentos à base de cannabis. Em seguida, Dr. Carlini, pioneiro nos estudos sobre a maconha no Brasil, nos anos 70, fez uma longa palestra sobre sua pesquisa e das frustradas tentativas de criar uma política pública para a cannabis medicinal no país.

O médico de 90 anos se emocionou bastante ao lembrar de toda sua luta pelo direito ao acesso à cannabis no Brasil e foi longamente aplaudido por uma plateia também emocionada.

"Enquanto eu durar e tiver cabeça, pretendo continuar brigando pela mesma causa. É preciso que o Brasil crie vergonha e modifique o que está acontecendo no país. Não é possível! Eu me dedico aos estudos da maconha há 50 anos, nunca consegui ser ouvido, por que que isso acontece? Eu publiquei mais de 700 trabalhos científicos em inglês, porque eu publicava aqui e ninguém lia. Se o Ministério da Saúde quiser discutir esse assunto, mesmo numa maca eu irei".

https://www.instagram.com/p/B4fzoKQhdGy/

Na sequência, o jurista Miguel Reale Jr, ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso e um dos autores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, palestrou sobre as questões legais da cannabis no Brasil. Para o advogado, temos uma "legislação mentirosa", ou nas próprias palavras dele, repleta de "farisaísmos". Ele também defendeu a descriminalização do usuário.

"Quando recai sobre o usuário o aparato estatal, ele é tratado como um marginal, que é aquele posto para fora da sociedade. Ele é visto como alguém que não está à altura de integrar a sociedade. e nada pior para o jovem do que o estigma de ser um marginal. Qual é o resultado desse jovem no processo de reinserção à sociedade e à família? Então a grande pergunta é: para política criminal, o que é melhor: submetê-lo aos rigores de um juiz criminal ou estabelecer medidas de ordem educativa e social, por via sanção que não seja criminal?"

Miguel Reale Jr

A mesa mais aguardada certamente foi a dos ex-diretores da Anvisa Claudio Maierovich, Ivo Bucaresky, Gonzalo Vecina e Dirceu Barbano. Maierovich destacou que nunca antes havia se reunido com outros três antigos diretores da agência antes e creditou o encontro, não à cannabis, mas aos esforços do Dr. Carlini.

Foi consenso entre os quatro ex-diretores que o tema maconha medicinal só avançou na agência por conta da pressão popular. Gonzalo Vecina e Dirceu Barbano sugeriram à plateia, inclusive, que se faça cada vez mais pressão tanto na Anvisa quanto no governo para que a pauta não seja abafada.

Cláudio Maierovich, Gonzalo Vecina, Elisaldo Carlini, Ivo Bucaresky e Dirceu Barbano

O último painel reuniu a anfitriã do evento, Cidinha Carvalho, diretora da Cultive, o advogado Emílio Figueiredo, presidente da Rede Reforma, além do cientista político Maurício Fiore, diretor da Plataforma Braseira de Política de Drogas.

Com maior participação do público, o encontro discutiu quais as melhores formas de mobilização da sociedade para que o auto cultivo seja contemplado, se não na proposta da Anvisa, no Projeto de Lei que está sendo discutido em comissão na Câmara dos Deputados.

"Já existem diversas associações cultivando, já são 50 Habeas Corpus no Brasil autorizando pacientes a plantar. Se o auto cultivo não for aprovado, essa lei já nascerá descolada da realidade", argumentou Figueiredo.

Elisaldo Carlini (E), Cidinha Carvalho, Maurício Fiore e Emílio Figueiredo