Pra não dizer que não falei das guerras

Uma reflexão sobre política das drogas, ou seria geopolítica das drogas? Já que a colunista Cecilia Galício vai muito além dos problemas nacionais e aborda também os conflitos internacionais.

Publicada em 14/03/2022

capa
Compartilhe:

Por Cecilia Galício

É impossível atualmente estar alheio ao conflito Rússia-Ucrânia, bem como nos mantermos alheios ao termo “Geopolítica”, que nada mais quer dizer do que o estudo da complexidade dos laços e relações entre os países, devido à globalização e a queda do mundo bipolar. Naturalmente, a geopolítica se dedica à política internacional e seus aspectos diplomáticos e a tentativa de compreensão e solução de questões demográficas, disputa de territórios, refugiados, imigrações e êxodos, entre outros tantos. 

Como nossa pauta aqui é política de drogas, é certo dizer que também há uma Geopolítica das Drogas, que é antes de tudo, sobre conflitos armados, interesses econômicos, desigualdade social e massacre de maiorias indesejáveis. Estamos em guerra, como é possível constatar, há mais tempo do que imaginamos, é só dar uma rápida olhada nos últimos 50 anos e podemos ver diversos conflitos pelo mundo, tendo as drogas como protagonista: na América Latina, quem não se lembra da Colômbia de Escobar e das FARC, da Bolívia de Evo Morales e a produção de coca, dos quase 40.000 mil mortos cujos corpos não foram identificados no México entre 2006 e 2020, desde que Caldéron implantou oficialmente o uso das Forças Armadas para combater o narcotráfico naquele país e, a lista é grande. Segundo Alain Labrousse, isso também se dá em outras partes do globo, em todos os continentes. Na Europa podemos citar Iugoslávia, Turquia, Espanha e Irlanda, que também colecionam conflitos desastrosos, bem como Ásia (Afeganistão, Paquistão, Mianmar, Filipinas, Geórgia, Uzbequistão, etc) e África (Argélia, Egito, Senegal, Nigéria, Serra Leoa, Somália, entre outros), onde sobram fracassos e uma pilha de mortos. 

Mas o que as guerras têm em comum, afinal? As guerras têm em comum toda a sorte de violência e violação de direitos humanos. Neste ponto vos convido a conhecer as Diretrizes Internacionais sobre Direitos Humanos e Política de Drogas. Que não pareça repetitivo, apesar de reiteradamente violado, o primeiro princípio fundamental de direitos humanos é o da dignidade; o segundo, a universalidade e a interdependência de direitos, seguidos pela igualdade e não discriminação, participação significativa na vida público/política, responsabilização dos Estados na ausência de proteção de tais direitos e direito a uma solução eficaz no caso de ações ou omissões do Estado. 

Existe uma falta de clareza sobre o que os direitos humanos internacionais devem exigir dos Estados no contexto da lei, política e prática de controle de drogas e não há explicação razoável para isso, já que todos os direitos humanos e liberdades fundamentais devem ser perseguidos, mesmo diante da autonomia dos Estados ao determinar suas políticas nacionais. É obrigação do Estado maximizar a proteção aos direitos humanos em qualquer contexto, ainda que numa seara tão complexa quanto a da política de drogas. 

A conclusão a que chegamos é que, para além de uma época em que conflitos de toda ordem brotam globo afora, justificáveis ou não, devemos perseguir incansavelmente a proteção dos direitos humanos fundamentais, cujo marco é a limitação do poder estatal sobre os indivíduos, para além da obrigação de garantir condições de vida digna às pessoas, culminando com o limite máximo da atuação do Estado: a violência, prática que parece ser imbatível, arraigada em todos, pronta pra ser justificada e praticada, não importa em qual das guerras. Direitos humanos, se repararmos bem, é o exercício de um amor mínimo: nada mais é do que respeito. Respeitemos os direitos humanos. 

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre o autor:

Cecilia Galício é advogada militante pelo fim da Guerra às Drogas, mestre em Direito Internacional Público, integra a diretoria da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas – Rede Reforma, é Conselheira Suplente do Conselho Estadual de Política sobre Drogas de São Paulo – CONED/SP pela Acuca, integrante da RENFA – Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas.