Por que o cigarro, o álcool e o fumo de pacote são permitidos e a cannabis não?

Aurisia Brito, mãe de paciente que faz uso medicinal de cannabis, explica que o preconceito em torno da pauta é um reflexo de anos de marginalização e interesses financeiros que prejudicam a percepção das pessoas

Publicada em 16/02/2023

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Por João R. Negromonte

A vendedora autônoma Aurisia Silva Brito (44), mãe da menina Elisa (20) diagnosticada com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), dislexia e síndrome de asperger - estado do espectro autista que afeta a capacidade de se socializar e de se comunicar com eficiência - destaca que o preconceito sobre os usos da cannabis só existem devido a um trabalho de marginalização da planta ao longo dos anos.

“Eu própria tinha preconceito, há muitos anos tem se desenvolvido um trabalho muito bem feito para marginalizar a cannabis. Infelizmente a desinformação deixa a gente ignorante”, disse Aurisia que reforça:

“Por que o cigarro, o álcool, a morfina [derivado da papoula] e o fumo de pacote são permitidos e a erva cannabis não? Simplesmente porque não é viável em impostos para o país, à indústria farmacêutica e a grande máfia, que impedem esse esclarecimento. Precisei chegar no zero pra quebrar preconceitos. Cannabis é vida, é saúde e é nosso direito usar a planta medicinal.”

Onde tudo começou

Elisa é autista e teve seu diagnóstico fechado aos 11 anos, mas, segundo a mãe, já vinha fazendo uso de medicações desde os sete. “Desde os primeiros meses de vida notei que era diferente o seu comportamento, porém descartado sempre pelos médicos o autismo, ou qualquer outro tipo de transtorno devido a pouca idade”.

Fazendo uso de cerca de 12 medicações controladas, o comportamento de Elisa estava cada vez pior, chegando a ter surtos psicóticos onde agredia a si mesma e sua própria família.

“O comportamento de minha filha começou a se tornar ‘animalesco’ e eu não sabia mais o que fazer”, revela a mãe. “Foi então que contei para uma amiga, que estava em uso da medicação canábica, e a mesma me apresentou o tratamento.”

https://www.youtube.com/watch?v=J639qZnkcno
Elisa em crises de Febre Reumática (Imagens: reprodução/Youtube)

Aurisia seguiu todos os procedimentos necessários para adquirir este tipo de medicamento. Primeiro, passou por um médico prescritor, que emitiu um laudo indicando que a paciente precisaria fazer uso medicinal da cannabis. Depois, encontraram um representante legal do canabidiol, que neste caso, utilizaram um produto importado da USA Hemp Brasil

Benefícios do uso medicinal da cannabis

“Assim começou nosso novo destino, visto que já havíamos tentado de tudo sem resultados satisfatórios e em regressão contínua do autismo apostei minha única e última chance no canabidiol (CBD)”, ressalta Aurisia que já no segundo dia de uso do medicamento a menina apresentou uma melhora significativa. 

“Minha filha dormiu sem medicação controlada, pois já estava fazendo o desmame para que seu corpo pudesse receber o canabidiol limpo de impurezas medicamentosas.”

A mãe revela também que Elisa, que fazia suas necessidades fisiológicas na roupa, pediu pela primeira vez para usar o sanitário, e o fez muito bem. “Desde o segundo dia usando o CBD, Elisa nunca mais fez suas necessidades na roupa, mesmo em viagens.”

Outros pontos positivos do tratamento com o uso medicinal da cannabis foram o controle da impulsividade alimentar, a resposta imediata aos comandos, a qualidade do sono da menina, que dorme sem efeito de drogas controladas, e a frequência em sala de aula de uma escola convencional.

Regulamentação, pesquisa, preconceito e superação

No Brasil, o uso medicinal da cannabis caminha a passos lentos, prejudicando todos aqueles que necessitam deste tipo de tratamento de forma segura, justa e abrangente. Por isso, para Aurisia, é necessário ouvir a população antes de tomar qualquer tipo de decisão.

“É preciso haver um plebiscito e, mesmo acreditando que as pessoas seriam contra a democratização da maconha, mesmo que para fins medicinais, é preciso deixar de lado o egoísmo e olhar para as pessoas com amor, pois o amor é livre e só se sabe o que é necessidade quando está nela.”

Aurisia diz ainda que democratizar requer muito conhecimento, aceitação, é um trabalho inverso do que se tem feito nestes anos de marginalização da cannabis e somente a pesquisa e a ciência poderão reverter este cenário.

“Lobotomia, lavagem cerebral, não sei o que é, o que sei é que a cannabis mudou nossa vida”, salienta a mãe ao explicar que no Brasil o cenário proibicionista vem de uma cultura onde alguns governantes, médicos e parte da indústria farmacêutica são corruptos, mantendo a população refém de seus interesses financeiros.

Quando questionada sobre se houve ou não preconceito por parte de seus familiares e amigos quando iniciou o tratamento com os derivados da cannabis, popularmente conhecida como maconha, Aurisia enfatiza:

“No início sim, sou evangélica, e meus irmãos em Cristo me incentivaram a fazer o uso porque viram que eu fiz tudo dentro da medicina comum possível e nada resolveu, mas fora do meu convívio sempre sou apontada como uma defensora de maconheiro o que não tem nada a ver com a pauta em si.”

A história da menina Elisa e da mãe, Aurisia, é apenas mais uma dentre as várias existentes, das quais o uso da cannabis mudou a vida de pessoas que sofreram por muito tempo sem apoio e, por isso, é importante ressaltar que “sem a maconha, talvez minha filha já teria até me matado” disse a mãe.

https://twitter.com/OficialSechat/status/1626259670821117955

“O canabidiol nos trouxe tanta esperança e isso, é maravilhoso. Houve dias em que devido à minha luta desejei o suicídio, fugir de casa, mas agora eu tenho pressa para que outras pessoas conheçam esse milagre da natureza que o próprio Deus criou. Na bíblia, ele diz que as plantas são para cura dos povos e a cannabis é uma dessas plantas, nada mais nem menos", conclui.