“Poder ver o brilho nos olhos e vê-la sorrindo novamente, não tem preço” diz irmã de paciente de cannabis

Larrainy A. B. de Queiroz (21), conta como sua irmã Gabrielly (13), que convive com um transtorno raro chamado de síndrome de Sanfilippo, apresentou melhora significativa em seu quadro clínico após o início da terapia canabinoide

Publicada em 21/10/2022

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Por João R. Negromonte

Natural de Minas Gerais, a família Queiroz se mudou para São Paulo em meados de 2004, quando Lívia, matriarca da família, juntamente com seu esposo João, resolveram tentar a vida na capital. Com algumas dificuldades mas muita luta, os parentes seguiam suas vidas até o nascimento de Gabrielly em 2008. 

Portadora de MPS III do tipo A, ou como é mais conhecida, síndrome de Sanfilippo, Gabrielly passou por muitas adversidades. Sua irmã Larrainy Queiroz, revela que a rotina de exames e passagens por especialistas era algo comum em suas vidas.“Desde que nasceu, ela foi uma criança que teve várias complicações. Passou por pneumonias, meningite, convulsões, Alzheimer infantil, dentre outras, ou seja, vivia no hospital”, disse. 

Dentre as manifestações da Síndrome de Sanfilippo Tipo A estão: atraso de desenvolvimento, alterações no sistema nervoso central e problemas físicos. Geralmente os sinais têm início entre 2 e 4 anos de idade e a incidência é de 1 em cada 70 mil nascimentos.

A dor de uma família

No dia 5 de agosto de 2019, Gabrielly teve uma piora em seu estado por conta da síndrome e ao chegar ao hospital, não saiu mais dali. Larrainy conta que foram 59 dias de angústia, a menina que havia entrado andando e comendo, saiu de cadeiras de rodas e muito debilitada devido aos efeitos adversos dos tratamentos convencionais. 

No outro dia, a família que teve acesso ao óleo medicinal de cannabis por meio do auxílio da Casa Hunter - instituição sem fins lucrativos criado para garantir soluções públicas para os portadores de doenças raras - resolveram testar, mesmo sabendo que poderia haver riscos, essa nova alternativa de tratamento.

“Com 15 dias de uso dos derivados da cannabis, Gabielly voltou a tomar água. Com 20 dias ela demonstrou mais força e disposição e, com 30 dias, ela levantou da cama e andou alguns passos até cair”, conta Larrainy ao se emocionar com as lembranças.

A menina apresentou uma evolução muito grande em um curto espaço de tempo com a aplicação do óleo medicinal. “O primeiro produto que utilizamos, foi fornecido pela associação de pacientes Abrace, era rico em THC, isto é, continha uma proporção de 1:1 em relação ao CBD por exemplo”. Isso quer dizer que a quantidade que havia de canabidiol, era a mesma que continha de tetrahidrocanabinol.

Não tem cura, mas tem tratamento

Atualmente, Larrainy conta que a qualidade de vida da Gabrielly melhorou ainda mais, chegando a “desmamar” sete medicamentos diferentes, mantendo apenas a Risperidona, medicamento indicado para o tratamento de transtornos mentais. 

“A Gaby nunca foi muito comunicativa, até por conta de suas limitações, mas hoje é nítido a felicidade que ela expressa através do olhar, por exemplo. Suas atitudes e ações mudaram completamente. Atualmente escolhe o desenho que assiste e a posição que quer ficar. Seu humor é muito mais compreensivo, enfim, ver o brilho no olhar dela e vê-la sorrir novamente, não tem valor”, destaca Larrainy.

Da esquerda para direita, Joao Borges de Queiroz, Larrainy A. B. de Queiroz, Livia Cezar B. de Queiroz, Arthur Cezar B. De Queiroz e ao centro junto da irmã mais velha, a menina Gabrielly A. B. de Queiroz
(imagem: Arquivo/Pessoal)

O retrocesso

Mesmo com diversas histórias como a da garota Gabrielly, o que se vê hoje no Brasil é de certo modo, uma desconfiança em relação ao tratamento com os derivados da cannabis, ou como é popularmente conhecida, a maconha.

Talvez o preconceito infundado ou a falta de informação sejam os verdadeiros “vilões” dessa batalha diária pela saúde, esbarrando em questões de cunho pessoal e ideologias deturpadas. 

O caso da menina Gabrielly é exemplo do preconceito, assim como conta sua irmã Larrainy. “Até hoje encontramos dificuldades para ter acesso ao tratamento de forma simples e justa como deveria ser, a pouco tempo esbarramos em um destes preconceitos. Um médico do hospital onde realizamos o tratamento da Gaby, se recusa a atendê-la só porque ela faz a terapia com cannabis, isso é um verdadeiro absurdo, principalmente quando paramos para pensar que esses profissionais são os guardiões da sáude”.

Quem também se mostrou reticente sobre esse tratamento foi o Conselho Federal de Medicina (CFM), que recentemente publicou uma resolução que restringe, segundo alguns especialistas, os usos medicinais da planta. 

Assim, sempre surge aquela velha máxima quando a pauta está em discussão: até quando Brasil? Até quando milhares de pacientes serão proibidos de buscar alternativas tão eficazes quanto às outras já existentes? Até quando se tapará os olhos para os estudos científicos e casos clínicos? Até quando os interesses pessoais valerão mais que o coletivo?

É necessário ainda seguir um caminho árduo rumo a regulamentação da cannabis por aqui, mas os passos dessa caminhada não podem ser cansativos, mas sim firmes. Como disse Larrainy Queiroz: “só vão olhar para o tema com responsabilidade quando os pacientes forem eles”, conclui ela ao se referir a morosidade regulatória por parte de alguns órgãos governamentais.