Pesquisa clínica em cannabis: universidades precisam acelerar

Avançamos muito na produção de pappers científicos, mas é preciso desenvolver também estudos clínicos

Publicada em 27/10/2022

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Por Maria José Delgado Fagundes

Para tirar a pesquisa clínica da” prateleira de congelados” é preciso celeridade. A Universidade de São Paulo campus Ribeirão Preto é a instituição que mais publica artigos sobre CBD no mundo, com relevância científica para a pesquisa internacional, confirmando que o Brasil tem potencial e vocação para liderar esse cenário.  Porém, as instâncias regulatórias precisam acelerar as aprovações de novos estudos clínicos. O modelo simplificado adotado no contexto pandêmico para a COVID- 19 poderia inspirar a solução dos entraves atuais no país? 

Desde 2006, a pesquisa clínica em cannabis passou a ser permitida no Brasil, embora ainda sem regras específicas definidas pela Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA). Nosso país tem demonstrado talento e vocação para a investigação de cunho científico da planta, antes mesmo do boom da cannabis para fins terapêuticos, de 2015 para cá. Neste artigo, o convite à reflexão diz sobre a constatação que a produção científica brasileira é criativa e de excelência, mas precisa dinamizar seus mecanismos de validação para o efetivo desenvolvimento. 

Produzimos muitos pappers científicos e pecamos ao não desenvolvermos os Estudos Clínicos. Destaco como exemplo, a produção memorável da USP de Ribeirão Preto, o primeiro lugar como instituição que mais publica artigos sobre o Canabidiol (CBD) no mundo. Uma análise bibliométrica dos 1.167 artigos científicos publicados entre 1940 e 2019 apontou que saíram da instituição de ensino e com relevância científica publicações que servem de base para novos estudos. A universidade tem produção superior ao dobro da segunda instituição, o King’s College (Reino Unido), seguida em terceiro, pela Universidade de Jerusalém (Israel) e em quarto, pelo Instituto Nacional de Abuso de Drogas (Estados Unidos). 

E como anda a safra de estudos clínicos? A ANVISA divulgou recentemente, o cenário atual da Pesquisa Clínica para a Cannabis de uso medicinal: 48 protocolos: 18 deferidos, 13 encerrados ou desistidos a pedido + 6 protocolos em análise e 11 aguardando veificação. Vou destacar aqui os que estão em fase de Estudo Clínico mais avançados: 1. Canabidiol 200 mg/ml - solução oral ü CE 92/2018 ü CID 10: G40 - Epilepsia ü Protocolo: CBD-PRATI-USP-001 (fase III) e, 2. CARDIOLRX™ Canabidiol 100mg/ml - solução oral ü CE 53/2021 ü CID 10: B342 - Infecção por coronavírus um Protocolo: CARDIOL 100-03 (fase II/III). 


Nas pesquisas clínicas internacionais é possível verificar no ClinicalTrials.gov – um recurso fornecido pela Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA, que registra pesquisa em todos os 50 estados americanos e em outros 221 países – são  363 estudos em andamento sobre Cannabis de uso medicinal, com o objetivo de  investigar o potencial terapêutico da planta para tratamento da dor. 

Por que a lentidão nas pesquisas sobre cannabis?

No caso da Pesquisa Clínica em cannabis, o que se tem observado é que a gestão de algumas universidades nem sempre alcança a relevância do assunto, o que pode levar um tempo enorme na aprovação ou andamento  no Comitê de Ética e Pesquisa (CEP). Esse clima de morosidade  e entraves acaba desmotivando professores e alunos interessados, levando ao  abandono de projetos idealizados com base no potencial da planta.

Segundo a Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (ABRACRO), um dos principais entraves é o atraso no tempo de aprovação dos estudos, o que coloca o Brasil atrás de países como Argentina e Chile. O processo de dupla aprovação ética é um dos principais ofensores do indicador tempo. Depois da análise do coordenador e do CEP,  ligado a um hospital ou universidade onde o estudo será aplicado, ocorre ainda a validação dos órgãos regulatórios.

A relevância da produção científica brasileira

Pesquisas científicas realizadas em nosso país oferecem uma série de benefícios para a sociedade, com a análise do registro sanitário de produtos da empresa ou de associações de pacientes, e muitos ganhos sociais regulatórios e de fomento à produção científica, a saber:

  • 1. Promove acesso às inovações, aporta conhecimento científico, traz oportunidades de intercâmbio internacional entre pesquisadores, fomenta o compartilhamento de protocolos e práticas globais e, ainda, contribui para que a população brasileira tenha mais representatividade no perfil em pesquisas de novas terapias, acessando tratamentos antecipadamente;

  • 2. Fortalece práticas regulatórias para as empresas ou associações de pacientes. Como as pesquisas devem ser acompanhadas pela ANVISA, no momento da análise do dossiê essa avaliação fará parte da documentação o que garante celeridade; 

  • 3. Favorece o acesso a investigadores fortemente motivados; criação, desenvolvimento de “speakers”; treinamento dos “líderes de opinião”; dados locais com novos medicamentos; proteção contra as cópias e a exploração do mercado brasileiro.

Enfatizo a necessidade de falarmos sobre segurança regulatória simplificada. Vejamos como exemplo, o contexto relacionado à Covid-19. Com o momento pandêmico, os órgãos reguladores do país readaptaram processos garantindo a celeridade necessária para o combate à pandemia deixando um legado para a nação, o que amplia a competitividade e a atratividade para a comunidade científica internacional no país. 

(Imagem: Arquivo pessoal)

Naquele contexto, a ANVISA e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) foram ágeis em encontrar instrumentos para adaptar o arcabouço regulatório à pandemia e deram respostas oportunas durante a emergência mundial em saúde pública. A CONEP, por sua vez, tem fortalecido sua atuação em revisões e discussões com promotores de estudos para garantir os avanços. 

O modelo simplificado adotado no cenário pandêmico para a COVID 19, poderia inspirar a solução dos entraves que atualmente a Pesquisa Clínica para a planta Cannabis encontra? Fica aí o questionamento.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

Maria José Delgado Fagundes é CEO na MJDFagundesconsultoria, advogada, profissional  na área de compliance, consultora especializada em saúde, sistemas regulatórios, setor  farmacêutico e associações de suporte a pacientes.