O setor da cannabis precisa se organizar para continuar crescendo

Para os grandes players nacionais, a cannabis é interessante, desde que não represente um desgaste político

Publicada em 26/10/2022

capa
Compartilhe:

Por Rafael Arcuri

A nova resolução do Conselho Federal de Medicina  mostrou como é incerto o futuro da cannabis no Brasil. Vivemos uma entropia na qual é mais fácil destruir direitos conquistados do que construir novos. Para que esse mercado continue crescendo no país, vamos precisar de algo que ainda não existe nesse setor: organização.

Os atores do mercado da cannabis estão agindo de forma individual e sem um norte bem definido. Diferentes pautas são levadas aos reguladores, mas sem um esforço conjunto de convencimento e demonstração de união (relevância política e econômica).

A resolução do CFM foi, ao contrário, uma clara demonstração de força por parte dos conservadores, um grupo que está crescendo em grande velocidade no país. Essa resolução tenta limitar a forma de atuação dos médicos no exercício da sua atividade, restringindo a prescrição da cannabis e impondo sanções àqueles que a desobedecem.

Mas esse não é um fato isolado. As eleições confirmaram os resultados de uma ascensão conservadora, elegendo o Congresso mais conservador  dos últimos tempos. Por isso, para que uma agenda progressista como a da cannabis avance, o setor precisará se articular de forma organizada para que voltemos a construir direitos, e não destruí-los.

Nos últimos anos, vimos como as evidências científicas são insuficientes para mudar a opinião de determinados grupos tomadores de decisão. Existe um sentimento de desconfiança em relação às instituições, o que acaba se refletindo na medicina.

Ao mesmo tempo, a pauta econômica é de difícil navegação: os principais players nacionais já são muito bem-sucedidos sem a cannabis. Não se trata apenas uma questão do benefício econômico potencial para o agro ou para o setor da saúde, por exemplo, mas sobre o custo político de se expor por uma mudança regulatória com tanta rejeição. Ou seja, para os grandes players nacionais, a cannabis é interessante, desde que não represente um desgaste político.

Por isso, é necessário que o setor como um todo comece a dar tiros mais certeiros, nos momentos certos, escolha agendas vencedoras e se articule em torno delas com um discurso uníssono, coerente, que não seja contraditório, atingindo parlamentares estratégicos e dando a segurança necessária para o processo de tomada de decisão.

O país está mudando e as pautas progressistas terão cada vez mais dificuldade em navegar o cenário político/regulatório. Será preciso pensar de maneira estratégica, alinhando nossas aspirações com as nossas capacidades. John Lewis Gaddis, professor de história Militar e Naval, em Yale (EUA), traz essa reflexão e lembra que os nossos objetivos são imateriais, ilimitados. Mas nossa capacidade para alcançá-los é material, limitada.

O setor precisará se antecipar às críticas mais previsíveis e ter respostas que sejam convincentes para os grupos que irão tomar  as decisões, ainda que esses argumentos não sejam os mais convincentes para a base de pessoas que já apoia a cannabis. O “bom argumento” é aquele que convence o seu auditório, não necessariamente o argumento com maior embasamento científico ou o mais pragmático em termos econômicos.

E é esse o desafio da cannabis agora: organizar a sua articulação, adequando seus objetivos às suas capacidades, e usando os argumentos que irão convencer os tomadores de decisão que precisam ser convencidos.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

Rafael Arcuri* é advogado, Diretor Executivo da Associação Nacional do Cânhamo Industrial (ANC), especialista em direito regulatório, mestre e doutorando em direito e políticas públicas e membro da Comissão de Assuntos Regulatórios da OAB-DF.