O que está acontecendo agora no Cannabis Thinking

A política antidrogas, a carência educacional sobre o tema, o preconceito acirrado nas regiões periféricas, as soluções fora do país e a evolução em solo nacional, tudo isso e muito mais no primeiro dia do evento. Acompanhe agora alguns destaques des

Publicada em 16/09/2022

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Por Carolina Rubinato, João R. Negromonte, Mônica Belini e Sofia Missiato

Organizada pela consultoria e aceleradora de startup The Green Hub (TGH), a quarta edição do Cannabis Thinking iniciou hoje (16) em São Paulo e vai até o sábado (17) reunindo os principais players do mercado para debater os efeitos sociais e ambientais da indústria canabinoide. 

Para os participantes, o mercado de cannabis tem como desafio combater estigmas que atingem as classes menos favorecidas. O preconceito sofrido pela periferia foi apontado como muito maior quando comparado às demais regiões. “Há no imaginário que nas favelas se consome mais drogas, mas isso não é verdade”, comenta Tatiane Cruz, empresária que ensina mulheres da comunidade de Paraisópolis (SP) a empreender.   

Aliás, a guerra às drogas acirra essa visão, porque se trata de uma premissa imposta no mundo como um problema, com a mentalidade de investir militarmente para reprimir e criminalizar. Porém, a história mostrou que essa estratégia não deu certo, na opinião de Pedro Abramovay, diretor para América Latina e Caribe na Open Society Foundations. O uso da força, segundo ele, gera alienação, desestimula o debate sobre o assunto e intensifica estereótipos. “A política proibicionista não atinge igualmente as classes sociais. Rico é usuário de drogas e o pobre é traficante. ” Foi consensual entre as pessoas que estiveram  no encontro a necessidade de  priorizar  ações educacionais para ajudar a reverter esse cenário. 

Aqui alguns destaques das duas mesas de debate do dia, sobre perspectivas regulatórias e acesso aos benefícios.

PERSPECTIVAS REGULATÓRIAS

Mesa: Rodrigo Mesquita (advogado e moderador),  Jeannette Vandermarel (empreendedora canadense), Marcelo Demp (vice-presidente da LAIHA - Latin America Industrial Hem Association) e João Paulo Perfeito (gerente na Anvisa). 

A plantação de cânhamo no Paraguai sempre existiu e o que fizemos agora foi  torná-la legal, para ajudar economicamente o país e combater o tráfico

’No Paraguai estamos desenvolvendo um projeto com o cânhamo e que já começa impactar positivamente na agricultura familiar. Trata-se de um programa integrativo. Antes, como a cannabis era ilegal, famílias inteiras tinham que se mudar de suas casas para produzir maconha no interior. A plantação de cânhamo sempre existiu, o que fizemos agora foi  torná-la legal, para ajudar economicamente o Paraguai e combater o tráfico, transformando em um programa ESG. Atualmente, tudo se registra legalmente, o que melhora na qualidade de produção, com modelos internacionais para seguir mas também os nossos próprios contextos sociais, políticos e econômicos. O Paraguai é um país com base na agricultura, por isso que mudanças como essas são extremamente significativas. Acabamos de firmar uma parceria com o The Green Hub para acelerar nosso projeto e ter mais uma organização apoiando e olhando para a cannabis no Paraguai.’’ - Marcelo Demp

Canadá -  arrecadação de três trilhões de reais de impostos e modelo para outros países na causa pela cannabis

“Tive apoio governamental para começar a plantar por duas razões muito simples: a  primeira é que o país enxergou a cannabis como potência e a segunda é que comecei essa ideia em um momento que políticas socioambientais se encontravam em alta. O  Canadá sempre se preocupou com o tema e a produção de cannabis estava totalmente de acordo com as políticas ESG. Arrecadamos muito dinheiro desde o primeiro momento com os impostos, o equivalente a três  trilhões de reais. Atualmente, o governo canadense está tentando tratar da cannabis ilegal, vendida por um preço muito mais baixo. Apesar de sermos modelos para diversos países, ainda estamos trabalhando nisso’.” - Jeannette Vandermarel 

O caminho para o Brasil é incentivar e expandir programas medicinais e também se tornar um produtor

“Acho que a primeira coisa é realizar um programa para médicos, para isso se difundir e incentivar os profissionais da saúde, eu mesma comecei assim. Para mim todos os tipos de uso de cannabis são terapias, sendo para epilepsia ou para relaxar, por isso não gosto de dividir entre medicinal e recreativa, todos usam como forma de terapia. O  caminho seria incentivar e expandir programas medicinais e claro, também ser um produtor. Em 2001, o Canadá começou com a política medicinal, mas em 2012 e 2013 tinham tantos pacientes que o governo disse: ‘ok, agora precisamos fazer uma política que englobe todos’’. E então, mesmo que a maioria dos canadenses tivesse permissão medicinal, quiseram realizar uma política que se tornasse ainda mais segura, com procedimentos mais densos para entender a cannabis, especialmente nos procedimentos de qualidade que fiscalizam a planta. Por isso mesmo que nossas empresas de cannabis pagam muito para o governo.'' - Jeannette Vandermarel 

O estágio do processo de revisão da resolução da cannabis medicinal em tramitação na Anvisa

“Demos início à  revisão da RDC 327/2019 e  a fase  atual é de análise, ainda em discussões internas na Anvisa, mas já considerando as experiências que tivemos em relação às aprovações de 20 produtos que hoje estão autorizados. Em breve a gente espera construir uma proposta que esteja à disposição para todos por meio de processo de  consulta pública.” - João Paulo Perfeito

A importância de conteúdos como o webinar sobre cannabis medicinal produzido pela Anvisa 

A gente quer estar próximo das empresas que trazem o produto aos pacientes, de  médicos prescritores. Conteúdos desse tipo fazem parte  do nosso trabalho e essa estratégia  é essencial para que entendam o trabalho da Anvisa  mas entendam sobretudo a regulamentação. É uma forma de estarmos mais próximos de todos e a gente entende que é um caminho bastante interessante continuar produzindo conteúdo desse tipo.” - João Paulo Perfeito

ACESSO AOS BENEFÍCIOS

 Mesa: Janine Rodrigues (moderadora), Gabriela Arima (Diretora na REDE REFORMA), Rogerio Schietti (Ministro do Superior Tribunal de Justiça - STJ)  e o rapper  Marcelo D2 falaram sobre os problemas, os desafios  mas também os avanços dessa questão no Brasil. 

Poucas as pessoas com o privilégio do acesso

Quando se fala de acesso no Brasil a gente ainda está falando em privilégios. São poucas pessoas  com o privilégio do acesso. Apesar dos entraves,  estamos avançando, com, inclusive,  autorização do plantio para uso medicinal,  o que já é uma conquista.

Janine Rodrigues 

Importante que a pauta seja inclusiva

(Imagem: Carolina Collet)

“Fico muito feliz em participar desse encontro, dividindo essa mesa com gente tão interessante e vendo a diversidade na plateia, porque é importante que a pauta seja inclusiva também. Legal saber que eu vivi para estar aqui, ter essa discussão e, de uma certa maneira, acompanhar  essa evolução, que um tempo atrás parecia tão distante. Tem sido satisfatório caminhar pelo mundo e ver o mundo legalizando e essas pautas avançando. Mas ainda  me dói muito falar da cannabis só como sendo medicinal.” - Marcelo D2

Brasil como vanguarda do atraso

“Falo como jovem  favelado que  sentiu na pele as dores da ilegalidade e  montou uma banda para falar sobre isso  e, na época, não sabia onde eu estava me metendo.  Nunca pensei estar aqui hoje debatendo esse assunto. Mais do que um defensor  ou ativista eu sempre me coloquei no papel de usuário e é muito interessante ver o quanto a gente avançou  porque para mim  sempre parece que o Brasil  é a vanguarda do atraso, parece que a gente está anos e anos atrás e nesse campo das leis os jovens de periferia sofrem muito com isso.” - Marcelo D2

É preciso conversar sobre as drogas abertamente inclusive nos poderes legislativo e judiciário

“Talvez o grande avanço seja retirar esse debate do campo da moral. É preciso que tenhamos coragem de conversar a respeito de drogas de uma maneira aberta sem preconceitos. Na minha adolescência, os piores adjetivos que se podia imputar ao jovem era dizer que ele era maconheiro. Essa palavra trazia uma conotação de vagabundo, uma pessoa que não queria nada com o trabalho, envolvida com pequenos crimes. Para um pai ver o filho ser chamado de maconheiro era uma vergonha. A palavra maconha ainda tem essa carga ideológica, em um país extremamente conservador onde não se abre para  discussão. Nas esferas do poder também há essa limitação. Não vemos no poder legislativo esse debate, não vemos o poder judiciário uma disposição para vencer esse preconceito - Ministro Rogerio Schietti 

Cultivar tem sido a salvação para quem não tem condições financeiras de importar ou comprar os já vendidos em farmácias

“A realidade de hoje é que estamos diante de tratamentos caríssimos que dependem da importação de produtos ou da judicialização que, por sua vez, também tem um custo. A gente sabe que os honorários advocatícios são caros no Brasil. Então, de fato é um privilégio por si só o acesso à  terapêutica.  Mas por outro lado temos caminhado para grandes alterações nessa lógica. O doutor Ricardo Schetti foi um grande ator nessa mudança. Foi a primeira vez que tivemos reconhecimento  por um tribunal superior sobre a necessidade  de que as pessoas possam  resguardar o seu direito à liberdade ao cultivarem a maconha para fins terapêuticos. Porque cultivar tem sido essa grande salvação para os que não possuem condições de acessar o remédio  importado ou comprar os  já vendidos em farmácias.” - Gabriela Arima

Janine Rodrigues e Gabriella Arima (Imagem: Carolina Collet)