O proibicionismo insano II

Em pleno séc. XXI mulheres que fazem uso adulto de cannabis ainda são marginalizadas e perdem a guarda dos filhos

Publicada em 10/02/2023

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Por Margarete Brito especial para a Sechat

Em 1976, a socialite Ângela Diniz foi presa em seu apartamento por portar 100 gramas de maconha. Muito provavelmente, o flagrante ocorreu por uma denúncia anônima de seu ex-marido, que era da alta sociedade mineira e brigava pela guarda dos filhos.

Ângela era uma mulher à frente do seu tempo, passava por uma fase muito difícil da sua vida e tinha descoberto na maconha algum alívio. Mas, ao ter seu apartamento invadido por policiais, foi taxada como viciada em drogas, o que contribuiu para que ela perdesse a guarda dos filhos. A história inteira da vida de Ângela Diniz foi contada num podcast chamado Praia dos Ossos, produzido pela rádio novelo e disponível no Spotify.

Stephanie Santana e os filhos. (Imagem: Arquivo Pessoal)

Quando ouvi a história da baiana Stephani Santana, enfermeira, 32 anos, mãe de 2 meninos, lembrei da história da Ângela Diniz.

Assim como Ângela Diniz, Stephanie se casou muito nova, seu marido também era um empresário rico e respeitado de uma pequena cidade ao norte do Brasil.

Stefanie tem epilepsia refratária desde adolescente e conta que, em 2016, suas crises convulsivas aumentaram tanto em quantidade, quanto em intensidade, o que a levou a procurar na internet tratamentos alternativos aos anticonvulsivos tradicionais, que utilizava.

Crises sem controle

Para além dos efeitos fortes, eles não estavam segurando as crises convulsivas nesse momento de enorme estresse. Isso tudo somado ao fato de seu marido pedir o divórcio, se relacionar com  uma jovem de 17 anos e de se encontrar sozinha dando conta, ao mesmo tempo, do trabalho, dos estudos e cuidados com os dois filhos, fez com que Stefani começasse a ter crise epilépticas mais de três vezes por semana. Até que ela teve uma crise convulsiva dentro do carro em uma manhã antes de levar os meninos para a escola. Foi ali que percebeu o quanto sua condição de saúde também estava expondo seus filhos a riscos.

Stephanie aproveita dia de sol com os filhos. (Imagem: Arquivo Pessoal)

Ao ver Stephanie nessa condição vulnerável, seu ex-marido, com a intenção de obter a guarda dos filhos na Justiça, indicou uma babá “espiã” para cuidar dos filhos. No entanto, Stephanie só descobriu isso quando foi chamada para uma reunião com advogados que lhe mostraram fotos e filmagens dela portando e fazendo uso da cannabis com as seguintes propostas: ou ela entregava a guarda dos filhos e ninguém saberia do assunto, e ela poderia ver os filhos sendo ele o tutor, ou seria denunciada por usar maconha e ficaria proibida de ver os filhos, ou ainda voltaria com o marido e criava as crianças com ele como se nada tivesse acontecido. 

Muito nova e assustada com a situação e a pressão sofrida pelo pai das crianças, Stefani optou em ceder a guarda dos filhos e sofre com essa situação até hoje.

A válvula de escape

Stefani se aprofundou nos estudos sobre o uso medicinal da cannabis, viajou para o Canadá, Portugal e Holanda e, hoje, além de ter concluído seus estudos como enfermeira, se especializou no uso medicinal da cannabis. Atualmente  dá aulas e palestras em eventos sobre o tema.

A proibição da cannabis foi a arma que o ex-marido encontrou para afastá-la dos filhos, a quem visita algumas vezes ao ano e conversa diariamente por vídeo, embora aguarde ansiosamente que eles tenham idade para escolher com quem preferem ficar.

Contradições do século

É muito triste ver que em pleno século XXI mulheres que fazem uso adulto de cannabis ainda sejam marginalizadas e percam a guarda de filhos por isso. Afinal, independentemente de uma prescrição médica, sabemos que o uso de cannabis é questão de saúde e não de justiça!

Agradeço esse espaço do Sechat por nos ajudar a denunciar “fatos” desse proibicionismo insano, que somado ao machismo estrutural, nunca deixou de condenar mães à perda da guarda de filhos por serem usuárias de cannabis.

Essa história se encontra no site de forma resumida no site: www.enfercanabica.com e hoje ela tem um canal no Instagram e também no YouTube.