O processo de legalização da cannabis no Canadá e as semelhanças e diferenças com o Brasil

Como os erros e acertos da legalização da cannabis canadense servem de exemplo para outros países

Publicada em 20/09/2022

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Por Tiago Zamponi

O processo de legalização no Canadá, com exceção de alguns pontos, foi o mesmo que o Brasil está passando agora, ou seja, pacientes com algumas doenças que não estavam encontrando melhorias com os diversos medicamentos convencionais e encontraram na cannabis uma esperança e uma melhora na qualidade de vida. Assim, procuraram o Judiciário e conquistaram o direito de plantar para uso medicinal.

O acesso legal à cannabis foi permitido pela primeira vez no Canadá em 1999 por meio de isenções discricionárias concedidas pelo Ministério da Saúde para fins médicos ou científicos ou de interesse público. Dada a natureza limitada e discricionária da isenção, inclusive para fins médicos, foi instaurado um processo judicial. Em uma decisão do Tribunal de Apelação de Ontário de 2000, o direito de um indivíduo de possuir cannabis para fins médicos foi confirmado pelos tribunais, levando o governo federal canadense a implementar o primeiro programa de acesso à cannabis medicinal, chamado Marijuana Medical Access Regulations (MMAR).

 No MMAR, os pacientes canadenses poderiam, com o apoio de um médico, obter uma autorização para possuir cannabis para uso pessoal. O MMAR também permitia que as pessoas aprovadas cultivassem cannabis, tivessem uma pessoa designada para cultivá-la ou comprassem produtos diretamente através da Health Canada.

Insatisfeito com o regime MMAR, desafios adicionais das partes interessadas e decisões judiciais proferidas, levaram a Health Canada a desenvolver um novo conjunto de regulamentos, o Marijuana for Medical Purposes Regulations (MMPR). 

Ao contrário do MMAR, o MMPR alterou o fornecimento e distribuição de cannabis para fins medicinais, estabelecendo uma estrutura regulatória para licenciar produtores que cultivariam, distribuiriam e venderiam cannabis a indivíduos com necessidades médicas. Sob o regime MMPR, os profissionais de saúde poderiam prescrever uma receita, permitindo que seus pacientes comprassem diretamente de um produtor licenciado até a quantidade recomendada.

Sem surpresa, o regime MMPR continuou a ser contestado nos tribunais. Em 2015, a Suprema Corte do Canadá, em uma decisão final de apelação de um processo anterior ao MMAR e MMPR, considerou que restringir o acesso legal apenas a formas secas de cannabis viola a Carta Canadense de Direitos e Liberdades. Em resposta, o Ministro da Saúde federal concedeu isenções discricionárias, permitindo que produtores licenciados sob o MMPR produzissem e vendessem óleo de cannabis e folhas frescas de cannabis.

 Não muito tempo depois, em 2016, em um outro processo, o Tribunal Federal do Canadá declarou o MMPR como um todo inválido por violar a Carta Canadense de Direitos e Liberdades, pois o regime restritivo do MMPR não forneceu aos indivíduos acesso razoável à cannabis para fins médicos. Em resposta, o governo canadense implementou o Regulamento de Acesso à Cannabis para Fins Médicos (ACMPR) em agosto de 2016. 

De acordo com o ACMPR, além da opção de compra de produtores licenciados, indivíduos que foram autorizados por seu médico a acessar cannabis para fins médicos e estão registrados sob a ACMPR, podem produzir uma quantidade limitada de cannabis para seus próprios fins médicos ou designar alguém para produzi-la .

A ideia de permitir que outras pessoas cultivem cannabis foi facilitar o acesso e reduzir custos, pois muitas pessoas não sabem como cultivá-la. Nesse sentido, uma pessoa reunia vários pacientes com licenças e plantava para eles. Ressalta-se que cada licença contém a quantidade que poderia ser plantada para cada paciente.

Fato interessante é que com isso começou a surgir o mercado negro, pois o que não era consumido por nenhum paciente era vendido para outras pessoas, sem controle. Nesse sentido, é muito importante para o Brasil permitir o cultivo para fins medicinais e criar regulamentações para evitar o uso indevido. Afinal, regulamentar não é proibir.

Para a eleição federal canadense de 2015, o agora primeiro-ministro Justin Trudeau e seu Partido Liberal do Canadá criticaram a proibição e a criminalização da cannabis e prometeram legalizar o uso recreativo , restringindo o acesso a menores e mantendo os rendimentos fora das mãos de criminosos, que alimentaram o mercado negro de cannabis. Após sua eleição, e cumprindo essa promessa de campanha, o governo Trudeau introduziu a Lei da Cannabis em abril de 2017, abrindo caminho para a legalização do uso recreativo de maconha no Canadá, aprovada em 17 de outubro de 2018.

Por fim, na minha opinião, falta vontade política ao Brasil, pois a demanda existe e cresce a cada dia. O país  não pode deixar de enfrentar essa questão e precisa urgentemente regulamentar o cultivo para permitir um acesso mais seguro e barato aos pacientes.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre o autor:

Tiago Zamponi é advogado, mora no Canadá, trabalha com desenvolvimento de negócios e atualmente é diretor de vendas na Molecule, uma empresa canadense de bebidas de cannabis.