Negócios: a decisão do CFM afetou as empresas de cannabis?

Representantes da cadeia nacional de fornecimento de produtos derivados da planta afirmam que apesar da ação conturbada por parte do conselho médico, o mercado, a prescrição e o direito à saúde não ficarão mais em segundo plano

Publicada em 26/10/2022

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Por João R. Negromonte

Após a reviravolta no caso da Resolução n° 2.324/22, suspensa temporariamente no último dia 25, e a comoção nacional a respeito das restrições por parte do Conselho Federal de Medicina (CFM) em relação ao uso dos compostos da cannabis, representantes do mercado nacional de produtos à base da planta se dizem tranquilos, acreditando que o movimento social não deixará mais que decisões baseadas em interesses políticos prejudiquem o acesso à saúde. 

De acordo com Marcelo Galvão, economista, bacharel em direito e sócio-fundador do grupo OnixCan, empresa de distribuição de cannabis medicinal, o momento é de informar e tranquilizar a todos e não o contrário. "Infelizmente o CFM dissipou medo e discórdia em boa parte da população, mas a sociedade brasileira que já é resiliente, transformou o limão em uma limonada”, destacou. 

Galvão revela também que, assim como em 2014, quando surgiu a primeira resolução sobre o uso compassivo do canabidiol (CBD), composto da cannabis, quaisquer atualizações a respeito deste tema serão questionadas caso não atenda aos interesses da população. “Acredito que os médicos continuam prescrevendo como sempre fizeram desde a primeira normativa do conselho”, diz o empresário que confessa não ter sentido o impacto das ações do CFM.

Quem também deu seu parecer foi o atual diretor executivo da HempMeds, Matheus Patelli, que é bacharel em Relações Internacionais pela UNESP, especialista em marketing pela ESPM, possui gestão de negócios pela UNICAMP e publicidade pelo ISC - Institut Supérieur du Commerce de Paris. Em entrevista, ele explicou que a empresa segue as resoluções da Anvisa. “Quem regula o que a empresa faz é a Anvisa, o CFM regula o exercício da profissão médica. O movimento que rolou contra a resolução do CFM foi massivo, envolvendo outras entidades de classe, organizações do terceiro setor e a sociedade civil. Tal manifestação pode transbordar para outras esferas, repercutindo no andamento de projetos de lei e resoluções da ANVISA sobre o setor”. 


Segundo o diretor, os médicos e pacientes no começo ficaram receosos em prosseguir com a terapia canábica, contudo, “a queda não foi tão acentuada como esperávamos, mas é preciso aguardar as próximos movimentos do CFM, principalmente em relação aos prescritores, pois, se tolhidos do seu exercício profissional, haverá nova perturbação”. 

Já José Bacellar, economista e mestre em administração de empresas pela FEA/USP, premiado na Rotman School of Business da Universidade de Toronto no Canadá por liderança, ex-COO da Canopy Health Therapeutics e, atualmente, presidente e CEO da Verdemed, empresa canadense de fármacos canabinoides, destaca que é necessário uma resolução mais abrangente por parte do CFM. "Ao limitar a prescrição de derivados de cannabis a determinadas patologias, pode vir a embasar a sustentação formal dos processos administrativos que o conselho move contra médicos que prescrevem os tratamentos em geral, inclusive de produtos já aprovados pela Anvisa. Certamente muitos médicos irão se sentir ameaçados ou tolhidos na sua prática clínica, deixando de prescrever fora das determinações do CFM, tanto de produtos para importação via RDC 660/2022, bem como as receitas controladas para produtos à venda no Brasil pela RDC 327/2019”.

O administrador destaca ainda que o modo como o CFM está agindo, deixa evidente o impacto negativo sobre os médicos e pacientes, que já utilizam ou poderiam vir a fazer uso dos produtos derivados de cannabis.

“A questão que se coloca na prática é: o médico tem ou não o direito de decidir sobre o tratamento de seus pacientes, inclusive no tocante a produtos para o tratamento da saúde dos mesmos”, questiona o CEO ao evidenciar que a determinação do CFM aparentemente fere o direito de médicos e pacientes que desejam fazer tal escolha. 

José Bacellar, presidente e CEO da Verdemed (Imagem: Arquivo pessoal)

“Tal normativa soa um tanto quanto contraditória quando se lembra do caso da cloroquina durante a pandemia, que mesmo sem nenhuma evidência clínica contundente, o CFM argumentou que a classe médica, junto com os pacientes, deveriam decidir sobre o uso dela ou não no tratamento da Covid”, ressalta ele. 

O empresário cita também o exemplo de outros países mais avançados que o Brasil no que tange a questão regulatória da cannabis. “Internacionalmente, como no Canadá por exemplo, a Health Canada - equivalente a Anvisa - mais do que autoriza, preconiza como terapia adjuvante, o uso da cannabis medicinal para distúrbios do sono, dores crônicas, e tratamento de glaucoma", disse.

“Essa nova resolução deve ser muito bem elaborada pois, se seguir contribuindo negativamente para o avanço dos tratamentos de saúde dos brasileiros com produtos naturais e seguros do ponto de vista clínico, a sociedade responderá à altura, buscando o poder judiciário para garantir seus direitos”, conclui Bacellar ao solicitar que o CFM não retroceda mais em suas decisões sobre a pauta.

O que resta à população é esperar pelos próximos passos do conselho que, caso não cumpra seu papel de responsabilizar-se pela saúde dos pacientes de cannabis, continuará sofrendo pressão social para a mudança do cenário atual.