Medicina integrativa: a base da terapia canabinoide

"Com a descoberta e crescentes comprovações sobre o funcionamento do sistema endocanabinoide (SEC), percebeu-se uma melhor forma de aplicar a medicina canábica, onde existe uma personalização do que será estabelecido no tratamento, seguindo as partic

Publicada em 24/05/2022

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Por Adriana Russowsky

A medicina integrativa, que já deixou de ser chamada de alternativa há tempos, tem sua prática em crescimento há alguns anos no país. Hoje, nunca esteve tão ocidentalizada e difundida, embasada nas escrituras tradicionais (extremamente protegidas pelo oriente) da medicina chinesa e ayurvédica. Saiu do empirismo e foi consolidando-se através da evolução da ciência, de pesquisas científicas e velocidade da tecnologia da informação, tomando forma através da medicina preventiva e aplicação em consultórios, instituições e hospitais. É dali que veio a ideia da Cannabis Medicinal: para otimizar a qualidade de vida e o bem-estar de maneira completa, fazendo as pessoas a utilizar menos os sistemas de saúde, como demonstrado por estudos conduzidos pela Realm of Caring, da Universidade de Jonhs Hopkins, por exemplo.

As medicinas tradicionais enfatizam sempre a necessidade do autocuidado e dos bons hábitos, da mudança do estilo de vida e da boa alimentação. Com a descoberta e crescentes comprovações sobre o funcionamento do sistema endocanabinoide (SEC), percebeu-se uma melhor forma de aplicar a medicina canábica, onde existe uma personalização do que será estabelecido no tratamento, seguindo as particularidades de cada um. Até porque, sendo o SEC um sistema gigante do nosso corpo, é ativado de diversas maneiras e componentes da natureza, passando a ser um tratamento multifuncional. A Cannabis com certeza é a planta que possui maior especificidade e funcionalidade para encaixe. Ela entra como uma arma no arsenal do médico, colocada de forma inteligente e adequada no dia a dia do paciente, para otimizar a adesão ao tratamento. 

Percebemos que as pessoas que buscam os consultórios para utilizar Cannabis Medicinal desejam migrar da polifarmácia para um estilo de vida mais natural, saudável e com qualidade de vida. A grande maioria dos melhores resultados ocorre quando existe uma introdução gradual do extrato da planta, e utilizando suporte de outras ervas, raízes, cogumelos, vitaminas, minerais, óleos essenciais e práticas complementares. 

Importante o alerta: Existem diversos remédios em potencial interação medicamentosa com a planta, e é necessário muitas vezes a retirada estratégica e inteligente deles, caso a terapia canabinoide for iniciada. Quando isto ocorre, a qualidade de vida é ampliada, pois os medicamentos alopáticos que trazem efeitos adversos vão sendo substituídos ou saem do cotidiano da pessoa. Observou-se isto em estudo com pacientes autistas, por exemplo, em tratamento com Cannabis (extratos com a planta inteira: full spectrum), onde puderam largar alopatias tradicionais que estavam trazendo outros problemas. Foi publicado pela equipe de Mechoulam, na importante revista Nature, em 2019.

Mas para isto ocorrer, é ideal a multidisciplinaridade de profissionais e tratamentos, e comprometimento por parte do paciente, com autocuidado, frequência de consultas e atendimento, e os bons hábitos alimentares. Condições psiquiátricas, de autismo, epilepsia, síndromes metabólicas, doenças da senescência... Todas se beneficiam seguindo esta “lógica” de “protocolos”. Pode-se organizar a terapia canábica junto a alopática, com bons resultados obtidos deste casamento, dependendo da condição clínica.

A importância da “ocidentalização” das medicinas tradicionais com foco na personalização dos tratamentos

Mas como mostrar estes números em estudos clínicos formais, tão exigidos pela comunidade médica? Como estabelecer uma lógica dentro dos protocolos de terapias individualizadas? Ainda estamos com estes desafios no caminho. Hoje, vivemos uma verdadeira batalha na comunidade científica, onde observamos poucos estudos com comprovação, misturados a outros sobre a questão do uso indiscriminado da planta. Mas em contrapartida, muitos relatos de pacientes e estudos de caso que encaminham para esta os benefícios evidentes da medicina canábica.

Esperamos que nos próximos anos as instituições educacionais estejam com estas ideias cada vez mais presentes nas salas de aula. Em uma era com cada vez mais especializações (e nada contra, necessitamos), nunca esteve tão em alta o estudo generalista da medicina. Através da visão integrativa, é realizada uma investigação mais profunda pelo profissional da área da saúde, e criada uma estratégia levando-se em conta um grande leque de práticas e terapias (as ditas práticas integrativas complementares pelo SUS, as PICs). 

Existe esta urgência do fortalecimento e crescimento da inclusão do tema nos sistemas educacionais formais de saúde do sistema endocanabinoide, trazendo a tutela das práticas integrativas e multidisciplinares para abranger a prática da aplicação da terapia canábica. E claro, tudo isto com o suporte das pesquisas científicas honestas e sem interesses comerciais, que crescerão ainda mais, concomitantemente. O conhecimento básico de funcionamento do corpo humano e do mecanismo de ação das plantas, drogas, nutracêuticos, suplementos, ou fitofármacos a serem utilizados, compõe um excelente pilar para a pessoa encaminhar-se para a cura, de fato, não menosprezando a medicina alopática aplicada até hoje, de forma alguma. Este casamento de ambas, só vem a nos beneficiar.

Visão integrativa sobre toda a cadeia produção da cannabis

Indo ainda mais longe com o embasamento nas medicinas tradicionais orientais: O Tartaveda - livro dos Vedas que fala sobre a Medicina Indiana Ayurvédica - e os relatos dos povos dos himalaias, davam dicas específicas sobre como criar, plantar, colher (inclusive com horários e ciclos da lua) as ervas e medicinas naturais, bem como especificam com detalhes sobre as formas de administração. Hoje, temos acesso a nutrientes e análise de solo, a genética e biofertilizantes. Mas quando falamos de uma planta que irá curar alguém, devemos nos preocupar com sua criação (e tipo de extração, lógico, mas não irei entrar nestes termos para não prolongar, pois isto é tema de toda uma matéria). Toda a cadeia tem influência, desde o bem-estar de quem está envolvido, até a quantidade de etapas de processamento, desde a colheita, até chegar na mão (e corpo) de quem irá utilizar. 

Com as descrições do Efeito Entourage* por Ethan Russo e equipe, médico neurologista, na década de 90, hoje a grande maioria da comunidade médica tem preferência por extratos da planta inteira, e não pelos medicamentos canabinoides isolados. Pensando assim, do ponto de vista integrativo, vejo que a melhor forma de acesso ao paciente é o auto cultivo e das associações. Pois existe toda uma energia e sapiência da cadeia de produção. Já que estamos caminhando lentamente com questões legislativas, podemos empoderar ainda mais estas duas formas de acesso. 

Brasil: de onde vem a cannabis

E para finalizar: A cultura e medicina indígena ancestral tem um enorme potencial no país para expansão. A forma como cultivam, o conhecimento da vastíssima flora brasileira, a ideia básica do funcionamento do corpo (e mais importante hoje: da mente), o bom manejo das terapias com “plantas do poder”... Todos estes estudos estão evoluindo, e cada vez mais estarão próximos a ciência e tratamentos convencionais. E ainda, podem auxiliar na preservação ecológica e social, das comunidades indígenas e terras. São um bom exemplo para evolução da permacultura (planejamento e execução de produções sustentáveis, trabalhando a favor, e não contra a natureza). Além da Cannabis, conhecida como Santa Maria pelos povos originais da nossa terra, estamos falando de ayahuasca, cogumelos, Bufo ovarius, cacau, rapé, e muitas, mas muitas opções, que nem uma grande apaixonada pela natureza como eu, possa imaginar. A fonte é vastíssima. E a melhor maneira para inovar e melhorar, é beber da fonte. A fonte da nossa terra, do nosso país, com responsabilidade e progresso consciente e humanizado.

*Efeito Entourage: sincronicidade de cada fitoquímico, terpeno, flavonoide, canabinoide da planta, na ação terapêutica. Gosto de lembrar que o efeito entourage não é exclusivo da cannabis, mas sim do reino vegetal (e quiçá do reino funghi). O gengibre por exemplo. Nunca se conseguiu isolar o seu princípio ativo, o gingerol, de maneira efetiva. A melhor maneira de utilizá-lo é utilizando a raiz como base. O mesmo pensamento vale para o inverso: os alimentos ultra processados que estão na prateleira do supermercado e seus efeitos no seu corpo

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

Sobre a autora:

Adriana Russowsky integrou o mercado canábico logo nos primeiros anos em que a medicina com Cannabis iniciou no país, pois devido seus estudos aprofundados e acadêmicos de fitoterapia, voltou seu olhar para as terapias com plantas e nutrientes, e utilizou como base sua experiência profissional e estudos em medicina integrativa. 

Hoje compõe e realiza estratégia os protocolos que desenvolveu e criou, dentro de empresas de comercialização de cannabis e de clínicas canábicas no país, e acredita que devem as instituições científicas e educacionais melhor informar os futuros médicos e outros profissionais desta necessidade de conhecimento, ampliando acredita o correto acesso a comunidade.

Referências:

www.hopkinsmedicine.org/news/newsroom/news-releases/medical-cannabis-consumers-use-less-healthcare-resources-and-report-better-quality-of-life

www.nature.com/articles/s41598-018-37570-y