Mãe luta pelo direito à saúde de seu filho autista

A professora de História Maria Alcinda Castor de Melo briga na Justiça para manter o tratamento com cannabis para seu filho Gabriel

Publicada em 31/07/2022

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Por João R. Negromonte

Maria Alcinda Castor de Melo (51), natural de Alagoinhas-PE, professora de História, cultivadora autorizada de cannabis para fins medicinais e, acima de tudo, mãe de Gabriel, portador de Transtorno do Espectro Autista (TEA), vem passando por momentos difíceis para renovar a documentação necessária para a produção do óleo caseiro de cannabis, produto utilizado para o tratamento do jovem.

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Gabriel Castor Machado, paciente que faz uso de cannabis para fins medicinais. (Foto: Arquivo pessoal)

O garoto, que hoje está com 25 anos, teve seu primeiro contato com a cannabis em 2017, quando Alcinda descobriu que a terapia canabinoide poderia ser eficaz no tratamento de seu filho. 

“Era uma época muito difícil, Gabriel tinha muitas crises de agressividade. Ele agrediu a professora, os  amigos de sala de aula, familiares e até a mim. O caso era tão desesperador que certa vez pensei até em  colocá-lo em uma clínica psiquiátrica. Gabriel tomava vários medicamentos, como Quetiapina, Fluoxetina, Ácido Fólico, Carbamazepina, Risperidona e outros que nem sei mais os nomes. Foi aí que vi uma entrevista na TV de uma mãe falando sobre os benefícios da cannabis, pesquisei e entrei em contato com a APEPI no Rio de Janeiro, que me indicou uma associação em São Paulo chamada Cultive”, explica a professora. 

Como a família não tinha condições de importar os medicamentos na época, Alcinda decidiu fazer o curso da associação paulista sobre cultivo e extração do óleo medicinal da maconha para garantir o tratamento do garoto.  

“Primeiro procurei o neurocirurgião e prescritor de cannabis Dr. Pedro Pierro, que  nos deu todo apoio necessário com a receita e dosagens corretas que  daríamos para meu filho. No início não foi fácil, pois eu tínhamos condições de gastar com os produtos importados. Por isso, resolvi fazer o curso da Cultive e, logo após estar preparada, corri atrás de um Habeas Corpus preventivo para fazer o plantio caseiro.”

Desse modo, em 2019, por meio da decisão do TJ-SP, a família conseguiu o HC preventivo que autorizava esta mãe a cultivar e extrair o óleo da planta para fins medicinais. 

“Foi um processo árduo, logo que a defensoria entrou com o pedido, a juíza disse que não era mérito daquele tribunal avaliar o processo, nos encaminhando para o Fórum Militar. Contudo, o Ministério Público disse que era mérito sim da Vara de Primeira Instância julgar. Desse modo, a juíza acatou o pedido do MP e nos autorizou a cultivar e produzir o óleo em casa,” conta a mãe.

"Tinha sido uma vitória! Finalmente poderíamos tratar o Gabriel com algo produzido por nós e que realmente tinha apresentado bons resultados."

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No entanto, a sentença tem a duração de um ano, necessitando a renovação dos documentos como relatório médico, escolar e das terapias, a cada vencimento de prazo.   

Alcinda explica que nos últimos dois anos as renovações aconteceram de forma tranquila e não houve nenhum problema. Entretanto, em 2022 o Ministério Público do Estado de São Paulo recorreu da decisão no Superior Tribunal de Justiça  que, por sua vez, se posicionou favorável à sentença. Não concordando com a deliberação do STJ, o MP encaminha então o processo para o Supremo Tribunal Federal (STF), onde se encontra parado até julgamento. 

“Me sinto marginalizada e incriminada pela sociedade, sou mãe, trabalhadora, pago meus impostos, luto pelos direitos do meu filho, que é a saúde, no entanto tratam as mulheres e mães de filhos com necessidades especiais com muita falta de empatia. O MP me coloca como uma criminosa. Eu queria saber se alguém no mundo gostaria de estar na minha situação, porque não é fácil se colocar em um contexto de perigo e infelizmente no Brasil, quem cultiva maconha é considerado criminoso. É difícil se expor dessa maneira”, lamenta Alcinda.

“Estou com fé e esperança de que não irão tirar o HC do meu filho. É importante lembrar também, que antes de dar o óleo de cannabis eu tentei todos os fármacos possíveis com o Gabriel, mas não tivemos êxito com nenhum e, por essa razão, meu filho hoje toma óleo de cannabis medicinal, no qual zerou totalmente as crises de agressividade. É visível a melhora!”

Justiça para todos

De acordo com a BRcann (Associação Brasileira da Indústria dos Canabinoides), somente em São Paulo entre os anos de 2019 e 2020, o número de pedidos de Habeas Corpus preventivos para o cultivo de cannabis medicinal mais que triplicou, apresentando uma alta de 445% em despesas da Secretaria de Saúde de SP para arcar com ações judiciais de pacientes que obrigam o Estado a bancar os tratamentos com remédios à base de maconha. 

Conforme explica o Dep. Estadual Sergio Victor (Partido Novo), o governo paulista gastou cerca de R$ 20 milhões só em 2021 com a compra de remédios à base de cannabis por determinação judicial, custos estes que poderiam ser destinados para a implementação do Projeto de Lei 1180/19, que prevê a distribuição desses medicamentos pelo SUS.

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“Deixo aqui um apelo às autoridades do Brasil, em especial ao STF, para que não cassem meu Habeas Corpus, lutei muito para conseguir, sou uma mãe, mulher e sempre vou lutar pela melhora do Gabriel. Não sou traficante, sou uma pessoa que trabalha e luta com muita dificuldade. Já passei por muita coisa na vida e cuidar da saúde do Gabriel é tudo que me resta. Hoje ele está melhor graças ao Habeas Corpus concedido, que autoriza fazer a extração da cannabis medicinal para meu filho. Acredito na Justiça brasileira e sei que tudo vai dar certo.” Conclui Alcinda.