Falecido na semana passada, Carlini era referência para todos que lutam pela Cannabis medicinal

O Sechat considera a morte de Carlini uma perda irreparável. Ele não era apenas um professor e cientista brilhante, mas um ser humano fantástico que criou laços afetivos que vão muito além das relações profissionais

Publicada em 23/09/2020

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Charles Vilela

Hoje (23) faz uma semana do falecimento do professor e pesquisador Elisaldo Carlini, considerado a maior referência no Brasil e uma das mais importantes no mundo quando se trata de pesquisa sobre Cannabis medicinal. 

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O Sechat, portal dedicado à maconha medicinal e aos negócios da Cannabis, considera a morte de Carlini uma perda irreparável. Ele não era apenas um professor e cientista brilhante, mas um ser humano fantástico que criou laços afetivos que vão muito além das relações profissionais. Assim como a direção e a equipe do Sechat, todos os defensores da causa da Cannabis medicinal no Brasil estão profundamente tristes, pois o país perdeu uma de suas maiores referências. 

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“Ele conectou muito as pessoas e os serviços, mas a perda da figura do professor Carlini é maior do que a perda do cientista”, destaca o médico e diretor do Sechat, Pedro Pierro. “De certo modo, todos que lutam pela Cannabis medicinal no Brasil se espelhavam nele, que estava próximo e sempre acessível.”

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Na foto, Elisaldo Carlini (E) e o médico e diretor do Sechat, Pedro Pierro, durante curso da Cultive em que ambos foram palestrantes (Foto: Divulgação)

Pedro conta que conheceu Carlini quando começou a estudar sobre canabinoides, há cerca de 7 anos. “Só tomei conhecimento da Cannabis medicinal por volta de 2013 através de pedidos de pacientes que desejavam tratamento” conta. “Nas pesquisas conheci o exemplo de Israel, o professor Mechoulam e, obviamente, o Carlini. Ele era muito respeitado internacionalmente. Arrisco dizer que era mais reconhecido fora do Brasil do que aqui.” 

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Pedro teve a oportunidade de se encontrar com Carlini em diversas oportunidades em congressos sobre Cannabis medicinal. Ele lembra que professor e pesquisador era figura muito disputada e os contatos eram cada vez mais difíceis devido à sua condição de saúde. “Para mim ele sempre foi um exemplo”, elogia. “Mas não somente como cientista, mas como exemplo de pessoa corajosa, motivada, que não dá tanta importância para opiniões, e sim para a ciência. Ele sempre lutou pelos seus pacientes, sempre procurou oferecer o melhor tratamento.”

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Ele compara Carlini a Hipócrates, que é considerado uma das figuras mais importantes da história da Medicina, referência de ética e no cuidado com o paciente. O juramento que leva seu nome é usado nas diversas escolas médicas mundo afora. “O professor Carlini era um dos meus maiores exemplos. Ele era a personificação brasileira de Hipócrates, por ser muito dedicado aos seus pacientes.”

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Foi de Carlini o primeiro estudo no mundo sobre uso da Cannabis para epilepsia

Há 40 anos, Carlini realizou o primeiro estudo mundial usando a Cannabis medicinal para tratar epilepsia em humanos. Embora existam outros relatos de casos de estudos utilizando o canabidiol para a epilepsia, o trabalho de Carlini foi o primeiro estudo duplo-cego - que é um método de ensaio clínico realizado em seres humanos onde nem o examinado nem o examinador sabem o que está sendo utilizado como variável em um dado momento - e randomizado, quando os integrantes do estudo são escolhidos de modo aleatório. “É por conta desse estudo que ele era um dos autores brasileiros mais citados por outros trabalhos do mundo”, afirma Pedro. “É possível encontrar a citação desse trabalho do professor Carlini na maioria dos trabalhos que são feitos para epilepsia. Isso foi um marco para o Brasil.” 

Num tempo de barreiras muito maiores do que agora, Carlini teve coragem e desprendimento, mantendo-se fiel à ciência

Pedro acredita que, se atualmente ainda é difícil o desenvolvimento de trabalho utilizando canabidiol no país, há 40 anos essas barreiras eram muito maiores. “Imagina a coragem e o desprendimento que esse cientista teve de propor o tema da Cannabis medicinal naquele momento”, disse. “Se hoje muitos médicos têm receio em prescrever CBD, achando que isso pode de alguma forma trazer algum problema, imagina há 40 anos. Essas dúvidas eram muito mais relevantes, muito mais impactantes do ponto de vista profissional. Espero que consigamos levar o legado do professor Carlini. Que consigamos representar tudo que ele construiu da melhor forma possível tudo que ele nos deixou.”