"Eu precisei de um tumor na cabeça para enfrentar o preconceito", relata paciente que conseguiu liberação para plantar maconha

Gizele Thame pode plantar 30 pés, mas apenas cinco em floração. Também pode portar até 180 ml do óleo

Publicada em 03/12/2019

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A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) pode decidir hoje a regulamentação no Brasil para o registro de medicamentos à base de canabidiol, um componente presente na maconha. Há a expectativa de que o órgão também decida regras para o plantio da erva com fins médicos.

A decisão pode mudar a vida de brasileiros que há anos travam uma cruzada para conseguir a substância, seja ela importada ou extraída de plantas cultivadas no próprio quintal. Hoje, o paciente precisa pedir autorização à Anvisa para a importação das substâncias.

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"Médica não quis receitar canabidiol"

A dona de casa Neide Martins, 55, enfrentou preconceito médico quando decidiu pedir a uma especialista que receitasse canabidiol para o filho, Vitor, hoje com 7 anos.

"Ela não quis receitar. Disse que não sabia o que poderia acontecer a ele daqui a dez anos", disse a mãe ao UOL.

Vitor foi adotado quando tinha 10 meses. Saudável, falou e andou precocemente. "Depois de quatro meses em casa, percebemos alguns espasmos". Ela procurou um médico, "que disse que não era nada", e foi a outro profissional que o diagnosticou com epilepsia refratária. Com o tempo, as crises começaram a aumentar.

Foi quando ela ouviu falar do canabidiol e pediu à médica que o receitasse. "Ele estava tomando 18 comprimidos por dia. Caia tanto no chão que tem cicatrizes por toda a cabeça. Conseguimos um capacete apropriado e uma cadeira de rodas porque ele não conseguia mais ficar em pé. Vi meu filho regredir gradativamente. Ele já não engolia a comida, não esticava o braço, ficou em estado vegetativo. Entrei em depressão", afirma Neide.

Neide, que era agente de viagem, abandonou o emprego para se dedicar exclusivamente ao filho. "Fui para o sexto médico. Pedi pelo amor de Deus: 'ele já tomou de tudo, eu assino qualquer termo de responsabilidade'. E ele prescreveu canabidiol pela primeira vez em fevereiro de 2016". Os resultados não apareceram tão rápido.

"No ano seguinte, a West começou a diminuir. As convulsões caíram para três ao mês. Aos poucos, ele saiu do estado vegetativo e começou a andar e voltou a falar. Este ano ele dançou a festa junina pela primeira vez. Eu chorei como uma louca", conta Neide Martins

Neide gasta em média 3.000 dólares, fora o frete, para importar os 12 frascos de 19 ml de óleo que o garoto precisa consumir todo ano, um valor que chega R$ 12,6 mil em valores de hoje: "A gente tinha um carro bom, mas vendemos para ter o dinheiro para o tratamento."

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"Planto em casa e faço meu remédio"

A dona de casa Gizele Thame, 61, precisou enfrentar o preconceito próprio e o da família quando decidiu tratar um tumor no cérebro usando óleo à base de maconha. "Eu tenho um tumor ao lado da hipófase, responsável pelos hormônios do corpo. Sem operar ou sem tratamento o tumor poderia crescer até estourar."

"Eu tinha um preconceito muito grande. Para mim não havia diferença entre maconha e cocaína. Pensava que quem usa é drogado. Demorei oito meses até aceitar, me informar, conseguir médico e autorização da Anvisa", diz Gizele Thame

Sem dinheiro para importar o remédio, Gizele decidiu plantar em casa por conta e, com os exames em punho, foi à Justiça acompanhada de um advogado a fim de conseguir um Habeas Corpus que lhe permitisse cultivar. "Se alguém viesse aqui em casa, eu mostraria meus exames e o Habeas Corpus.

Mesmo assim, eu poderia ser detida até conseguir o Habeas Corpus definitivo." O documento chegou oito meses depois. "Ninguém pode me prender agora porque eu posso plantar 30 pés, mas apenas cinco em floração. Também posso portar até 180 ml do óleo."

Vencendo o preconceito

Gizele demorou oito meses para aceitar o tratamento e ainda mais tempo para contar aos amigos e familiares. "No começo eu não falava para ninguém, era segredo. Aos poucos fui contando aos mais próximos. Uma grande amiga me disse que, se não gostasse tanto de mim, não aceitaria meu tratamento."

"Eu achava que não contar era me poupar, mas percebi que se me expusesse, ajudaria muita gente. Meu preconceito era forte, e por isso eu entendo quem não aprova. Eu precisei de um tumor na cabeça para enfrentar o preconceito. Eu ainda sou contra fumar maconha: é fumaça para o pulmão, faz mal à saúde", enfatiza Gizele.

Gizele afirma que, em dois meses de uso, os sintomas eram outros. "A insônia e o estresse acabaram e a qualidade do sono é excelente", diz. E o que parecia impossível, aconteceu: "Depois de um ano e meio, o tumor regrediu de 1,2 centímetro para 0,7 e se mantém assim há um ano e meio."

Fonte: UOL