Eleições 2022: Sechat entrevista Sâmia Bomfim

“Um terço da população carcerária no Brasil responde por tráfico de drogas, contingente formado em boa parte por usuários ou nem isso”, revela a candidata à deputada federal e líder do PSOL na Câmara

Publicada em 17/08/2022

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Por João R. Negromonte

Em entrevista ao portal realizada na última semana, a Deputada Federal e candidata à reeleição, Sâmia Bomfim, afirma que o tema da cannabis está diretamente relacionado com problemas sociais e deve ser debatido com clareza e responsabilidade. 

Formada em letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), a parlamentar, feminista e líder do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), foi um dos membros da comissão especial da cannabis na câmara que votou favorável ao Projeto de Lei 399/15. 

A deputada, que apresentou quatro emendas para o PL, explica que a primeira versão do projeto apresentava uma série de exigências que atrapalhavam o andamento do mesmo, como por exemplo normativas que impediam que as associações, pioneiras na luta pela regulamentação, atuassem dentro da lei.

“Queríamos que as exigências fossem derrubadas, mas apenas partes dessas emendas foram acatadas”, explica a parlamentar que continua: “tivemos um certo alívio, mas esse fomento não é suficiente para que as associações atuem no mercado de maneira a competir com grandes farmacêuticas”. 

Ao ser questionada se haveria alguma possibilidade de união entre uma indústria farmacêutica e uma associação, Sâmia destaca: “isso não está previsto em nenhum Projeto de Lei atualmente mas, em tese, poderia acontecer”. Ela explica também que não acredita que as indústrias farmacêuticas criarão mecanismos para reduzir essa competitividade, visto que as associações não possuem objetivos financeiros.

Democratização do acesso

Atualmente, um dos grandes problemas da falta de uma regulamentação vigente sobre o uso medicinal da cannabis no Brasil é o acesso desses medicamentos por todos aqueles que necessitam. Além dos valores, cada paciente depende de uma dosagem e um canabinoide específico para tratar diferentes doenças. 

Questionada se há algum Projeto de Lei nas casas legislativas que prevêem a distribuição desses produtos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a  deputada respondeu que há uma previsão, desde que os  pacientes a serem beneficiados tenham a prescrição médica e sanitária em mãos. “O acesso - por meio do Estado - deve vir de empresas previamente autorizadas para tal e este foi um dos principais avanços do PL 399/15, que ainda assim sofreu resistências por parte de alguns políticos que são contra a pauta”.

Sâmia conta que tentaram levar a discussão para o uso adulto da cannabis, enquanto estavam debatendo sobre ações de políticas de saúde pública e não de segurança. 

Outra questão levantada durante a entrevista foi a irredutibilidade de alguns políticos quando o assunto é cannabis. 

A resposta foi direta: “na maioria das vezes, essas pessoas recorrem ao elemento tabu para colocar o debate dentro do aspecto moral, assim seguem organizando sua base social, eleitoral e política. Se não fosse a maconha, seriam as saidinhas ou a legalização do aborto, isto é, vivem de factóides morais para alimentarem seus perfis”, explica. 

O lucro com o tráfico foi outro ponto importante levantado pela parlamentar e destacado como impeditivo para a regulamentação da cannabis no Brasil. “Não é normal haver um sistema ilegal, que necessariamente depende dos ‘poderosos’ para funcionar, que seja regulado de forma simples, afinal sem essas pessoas o processo seria inviável e, são justamente elas que impedem a legalização da cannabis”. 

Encarceramento: problema social ou exagero?

Deputada Federal Sâmia Bomfim (Imagem: Sechat/Carolina Collet)

Questionada sobre sua percepção em relação ao encarceramento de pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social, Sâmia diz: “um terço da população carcerária no Brasil responde por tráfico de drogas, contingente formado em boa parte por usuários ou nem isso. Na maioria dos casos, a única palavra ouvida é a do policial que supostamente pegou essa pessoa fazendo uso ou em posse da substância”. 

Como forma de fazer uma reparação histórica com esses indivíduos,  muitas das vezes presos injustamente, a deputada cita o exemplo dos EUA. O governo norte-americano estuda a possibilidade de implementar uma lei que tire da cadeia, e dê oportunidade de trabalho no setor da cannabis, como uma espécie de retratação, os detentos que não cometeram crimes graves relacionados à planta.

Perspectivas de futuro para o Brasil 

A legislação brasileira atual, ainda se mantém "ociosa" em relação a pauta da cannabis, assim, o portal Sechat questionou  se há expectativas de debate na câmara para este ano ou para os próximos, sobre o uso medicinal, industrial e adulto da planta.

A deputada acredita que, visto as dificuldades de se regular o uso medicinal, o industrial e o adulto não serão diferentes. “Votar um projeto de lei sobre cannabis ainda este ano é inviável, devido ao momento político que vivemos. Entretanto, estou confiante que em um futuro não muito distante, dependendo de quem estará no poder do executivo, o assunto possa ser discutido de forma ampla e concisa”.

Sâmia ainda pontua que  o PL 399/15 não prevê o cultivo individual para fins medicinais “Somente pessoas jurídicas poderão se beneficiar caso essa lei passe a valer”.

Durante a entrevista a deputada também citou o PL do Deputado Federal Jean Wyllys (7270/14) que pode regulamentar todas as aplicações da cannabis no país (medicinal, industrial e adulto) por pessoas comuns, projeto este  ainda  parado na câmara.

São necessários muitos passos para “desanuviar” o debate em torno da cannabis no Brasil e, sites especializados na pauta, além da grande imprensa, têm um papel fundamental nessa caminhada. Para a deputada: “é preciso que representantes do agronegócio, médicos, pacientes, representantes da indústria, familiares e a mídia se unam e somem esforços para avançar com as leis que defendem a cannabis, uma questão de saúde pública que não pode mais esperar para ser debatida com responsabilidade”.