Como produtos à base de Cannabis sativa têm sido usados na medicina veterinária

Os veterinários Fábio de San Juan, Veridiana Soares Roberto e Erik Amazonas explicam os benefícios dos canabinóides para o tratamento dos problemas de saúde que prejudicam os animais

Publicada em 02/08/2022

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Por Sofia Missiato

As características únicas da cannabis sativa despertaram muito interesse na comunidade médica. Graças à sua capacidade de modular o sistema endocanabinóide, que garante o equilíbrio dos principais processos fisiológicos, os produtos derivados do cânhamo são utilizados na prática veterinária como suplemento nutricional em um grande número de casos.

De acordo com dados levantados pelo IBGE e atualizados pela inteligência comercial do Instituto Pet Brasil, em 2018, foram contabilizados no país 54,2 milhões de cães e 23,9 milhões de gatos em todo território nacional. Enfermidades como doença renal crônica, doenças metabólicas, doenças inflamatórias e neurológicas são possíveis de serem tratadas com extrato de óleo do CDB e THC.

O Projeto de Lei (PL) 369/21 pode permitir o uso veterinário de produtos industrializados derivados da Cannabis. Segundo o texto, que tramita na Câmara dos Deputados, derivados da espécie poderão ser ministrados em animais por seus proprietários ou tutores desde que haja prescrição de médico veterinário habilitado. Entretanto, a PL segue parada no congresso.

Os animais de estimação podem ser acometidos com síndromes similares às dos humanos, isso porque apresentam sistemas que se relacionam entre si. O canabidiol (CDB) é um dos compostos encontrados na maconha que pode ser reconhecido por proteínas receptoras específicas do sistema endocanabinoide - CB-1 (que são os receptores responsáveis ​​pelos processos cerebrais) e CB-2 (localizados no sistema imunológico e em órgãos periféricos) - que são encontrados tanto em humanos quanto em animais.

O sistema endocanabinoide é um importante aliado da regulação e equilíbrio de uma série de processos fisiológicos no organismo dos vertebrados, é nesse ponto que as terapias com cannabis atuam, restaurando a homeostase no organismo, uma vez que os receptores específicos são parecidos.

Seu animal pode ficar chapado? Sim, caso ocorra uma intoxicação por má administração de doses, assim como qualquer outro medicamento. Quando há uma prescrição adequada e quando há o acompanhamento realizado por um veterinário capacitado, os benefícios podem surgir com maior sucesso.

Conhecido como 'Dr. PetCannabis', Fábio Mercante de San Juan é especializado em canabinologia na medicina veterinária e oferece cursos de formação voltado para estes profissionais. Ele explica que o uso da maconha medicinal em pets necessita de mais credibilidade por meio da educação e evidências científicas, já exploradas no mundo veterinário: ‘‘O único modo de fazer isso é mostrar resultados positivos e disseminar conquistas e casos de sucesso em diversas patologias.’’

Veridiana Soares Roberto, Médica veterinária e Pós graduada em cannabis medicinal diz que as doenças mais rotineiras que aparecem em consultórios são doenças oncológicas, neurológicas e  auto imunes, e ainda ressalta uma questão importante: ‘’A cannabis é uma planta bem complexa, possui mais de 500 componentes identificados até agora. Tanto o CBD quanto o THC são benéficos se usados corretamente. Eles são os fitocanabinoides mais conhecidos e utilizados, mas existem muitos outros, por isso a prioridade é sempre usar os óleos que são full spectrum, ou seja, um óleo que possui todos os componentes da genética da planta escolhida”.  

O composto psicotrópico THC também necessita passar por uma desmistificação de seu uso, por ser primordial em algumas patologias. Erik Amazonas, Professor do curso de Endocanabinologia da Universidade Federal de Santa Catarina ressalta: ‘’Tenho visto melhores resultados quando há a inclusão de THC nos tratamentos. Quando a relação de THC é muito baixa (0,5% ou menos), os resultados não têm sido os mesmos comparados a quando o óleo é rico em CBD mas com níveis mais altos de THC (3 - 10%). Em cães e gatos, pelo menos, minhas melhores experiências têm sido com o uso de óleos de espectro completo (full spectrum) com quantidades de THC superiores aos de CBD. Nos acostumamos a referir-se ao CBD e THC porque são os produzidos em maior quantidade pelas plantas e pelo interesse no uso adulto. Mas todos os canabinoides são extremamente necessários para o tratamento de um animal com produtos à base de Cannabis. E desde que mantida a regra de ouro da medicina canabinoide ‘começar baixo e avançar lento’, o veterinário conseguirá ajustar a dose mínima efetiva a cada animal sem complicações.’’

Resta saber agora, quando os órgãos competentes irão regulamentar o uso veterinário dos compostos de cannabis que, como visto anteriormente, podem ser muito úteis no tratamento de diversas doenças animais, além de fomentar mais pesquisas na área.