Como o mercado de trabalho entende o uso da cannabis medicinal

Projeto de lei na Califórnia altera as leis antidiscriminação para impedir que empresas punam colaboradores que fazem uso da cannabis medicinal fora do trabalho

Publicada em 09/09/2022

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Por Cintia Vernalha

Apesar de ser o primeiro Estado a legalizar a cannabis medicinal em 1996 e um dos primeiros a legalizar o uso adulto em 2016, até agora, a Califórnia fez muito pouco para proteger trabalhadores que utilizam a planta fora do horário de trabalho e em momentos de lazer. No entanto, esse quadro pode ser alterado em breve.

O projeto de lei no 2188, aprovado no último mês pelo Senado Estadual da Califórnia, altera as leis antidiscriminação para impedir que as empresas punam funcionários que usam cannabis fora do trabalho e testam positivo em exames toxicológicos. O projeto agora segue para a mesa do governador e ele tem até o final de setembro para decidir se o sanciona ou não. Outros seis estados americanos – Connecticut, Montana, Nevada, Nova Jersey, Nova York e Rhode Island – já promulgaram leis semelhantes.

No Brasil, os exames toxicológicos em empregados são disciplinados pelo artigo 168 da CLT, o qual permite que as empresas o exijam somente para motoristas profissionais e profissões de alto risco, tais como operadores de máquinas e empilhadeiras. Nos demais casos, a empresa precisa justificar o pedido do exame, podendo tal solicitação não justificada ser classificada como prática discriminatória. Mas isso não significa que o Brasil está à frente dos Estados Unidos ou que não exista preconceito. 

Desde 2015, qualquer pessoa no Brasil com uma receita médica pode importar legalmente produtos à base de cannabis. A ANVISA também já aprovou 19 produtos para serem vendidos nas drogarias do país e ainda existem três associações de pacientes com habeas corpus para plantio, extração e fornecimento de produtos derivados de cannabis. Por meio desses caminhos, estima-se que já existam no Brasil mais de 100 mil pessoas que fazem o uso da cannabis como tratamento principal ou alternativo, e esse número só tende a crescer.

Está na hora das empresas entrarem nessa discussão e pensarem como apoiarão funcionários que fazem parte desses números. O produto poderá ser consumido no horário do expediente? Como será o caso dos funcionários que viajam pela empresa? Todas as formas de consumo poderão ser utilizadas? Mesmo as flores? 

A falta de legislação e o grande preconceito ao redor do tema faz com que os pacientes fiquem à mercê da opinião individual de seus empregadores e colegas de trabalho. Com isso, a maioria dos pacientes não divulga o seu tratamento e, sem se darem conta, ajudam para que o preconceito continue. 

Se o uso é medicinal, se a compra do produto foi feita de forma legal, se os objetivos que o cargo exige estão sendo cumpridos, não tem motivo do uso ser escondido e criminalizado. Muita gente ainda associa a cannabis a pessoas preguiçosas e que não são capazes de assumir grandes desafios. Na medida que mais pessoas mostrarem que a cannabis não afeta negativamente a sua rotina de tarefas diárias, mais a população será compelida a repensar a imagem pejorativa do maconheiro improdutivo e preguiçoso.

Da mesma forma, quanto mais empresas estipularem regras claras para seus funcionários e posicionarem-se a respeito do assunto, maior é a chance de a sociedade evoluir nesse tema. 

Estamos em um momento em que temas como qualidade de vida, redução da ansiedade e do estresse estão em alta. Já foi provado que a cannabis pode auxiliar em muitos desses casos. As empresas deveriam estar à frente dessa discussão, auxiliando seus funcionários a entenderem melhor esse tipo de tratamento e incentivando que sejam feitos de forma transparente. 

Lidar com o assunto de forma madura e sem preconceito é a chave para que as empresas mantenham a segurança e a integridade dos seus colaboradores, ao mesmo tempo em que incentivem a formação de times motivados e mentalmente saudáveis.

Elevar a cannabis para o título de medicinal é ótimo, mas é preciso entender o que isso realmente significa. A cannabis deveria ser tratada da mesma forma que outros medicamentos controlados, mas na prática sabemos que não está sendo assim. Voltando para a Califórnia, vemos que a discussão a respeito da cannabis não termina com a formação de leis e que a sociedade e as empresas precisam participar ativamente dessa discussão.

Qual a posição da sua empresa em relação a esse assunto? Fica aqui meu questionamento.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre o autor:

Cintia mora nos EUA, onde conheceu e se apaixonou pelo mercado de cannabis. Com mais de 15 anos trabalhando na área comercial de grandes empresas como Nestlé, Reckitt Benckiser e EMS, uniu a sua paixão pela planta, a sua experiência executiva e a sua vivência em um dos maiores mercados de cannabis para constituir, junto com duas sócias, a CannBoom: empresa que tem como propósito conectar, educar e promover o mercado de cannabis no Brasil. A CannBoom assessora empresas que desejam atuar ou melhorar seu posicionamento no Brasil por meio de treinamentos, workshops e consultorias.