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É comum alguns pacientes e usuários de cannabis relatarem déficits de memória. Contudo, embora o esquecimento de alguns fatos possa parecer engraçado na ficção, esses lapsos  podem não ser tão atraentes na vida real.

À medida que nossa compreensão sobre o uso da cannabis e seus derivados se torna mais abrangente, evidências de que a planta  afeta a memória se tornam compreensíveis. No entanto, nem tudo são más notícias. 

Embora certas formas de memória possam ser prejudicadas pela utilização da planta, em outros casos, seu uso medicinal pode ajudar com distúrbios relacionados à falta dela.

Como a cannabis pode afetar a memória?

A maioria das pesquisas sugere que os efeitos da cannabis na memória são provocados principalmente pelo hipocampo, região do cérebro que possui receptores canabinóides (CB1) abundantes e desempenha um papel importante nas lembranças e no aprendizado. Porém, os dois canabinóides mais conhecidos da planta, THC (tetra-hidrocarbinol) e CBD (canabidiol), atuam no hipocampo de maneira diferente.

O THC, substância psicoativa da cannabis, tem uma forte afinidade pelos receptores CB1 e se liga a esses receptores no hipocampo quando consumido. Após a ligação, o composto pode prejudicar temporariamente a memória de curto prazo e o aprendizado, dificultando a concentração, o armazenamento e a recuperação de informações. 

Por outro lado, o CBD parece ter um efeito diferente do THC. Pesquisas em participantes humanos mostraram que o canabidiol pode aumentar significativamente o fluxo sanguíneo para o hipocampo. Embora as implicações disso ainda não sejam claras, um maior fluxo sanguíneo hipocampal em repouso está associado a um melhor desempenho da memória. 

Os pesquisadores do estudo também especulam que o aumento do fluxo sanguíneo cerebral pode ajudar a tratar indivíduos com declínio cognitivo, como a doença de Alzheimer, na qual se caracteriza, muitas das vezes, por transtornos nessa corrente sanguínea no cérebro.

Memória de curto prazo

A memória de curto prazo é responsável por receber e armazenar temporariamente as informações às quais acabam de ser expostas. Lembrar o nome de alguém logo após uma apresentação é um exemplo de memória de curto prazo. Também pode incluir a memória de trabalho, que manipula e usa lembranças de curto prazo. Um exemplo seria ouvir uma sequência de eventos em uma história enquanto se entende o que a história significa. 

Se há algo em que quase todos os pesquisadores concordam, é que o THC da cannabis pode prejudicar a memória de curto prazo.

No caso da memória de trabalho, um estudo de 2020 com participantes humanos descobriu que uma dose de 15mg de THC poderia prejudicá-la. Os participantes do estudo receberam uma tarefa de memória de trabalho visual: eles foram expostos a uma imagem de seis blocos coloridos e, após um intervalo de um segundo, tiveram que lembrar a localização e a cor de cada um dos blocos. Os participantes que não receberam cannabis identificaram corretamente os bloqueios mais em média do que aqueles que receberam a substância. 

Também é importante notar que, embora uma dose única de 15mg de THC tenha prejudicado a memória de trabalho, os participantes que receberam uma dose de 7,5mg não tiveram um impacto perceptível. 

O experimento também testou se “diminuição da mente” e “diminuição do monitoramento da tarefa” afetaram a memória de trabalho dos participantes. Verificou-se que o THC aumenta fortemente a probabilidade de se desviar da tarefa e perder o foco. 

Embora esteja claro que a memória de curto prazo e a memória de trabalho podem ser afetadas pelo THC, os autores do estudo enfatizam que a substância afeta a experiência consciente geral. Em outras palavras, o THC pode prejudicar nossa memória de curto prazo porque também afeta nossa capacidade de concentração ou atenção. 

As implicações disso são significativas pois, a memória de curto prazo, o foco e a atenção desempenham um papel crítico no aprendizado. Quando é difícil manter o foco e a concentração, o armazenamento de novas informações também pode ser comprometido.

Memória de longo prazo

A memória de longo prazo refere-se ao vasto repositório de conhecimento e eventos anteriores dos quais nos lembramos por dias ou décadas. As de curto prazo acabam se tornando memórias de longo prazo, que podemos acessar à vontade. São aquelas que mais contemplamos ou lembramos. 

Embora a maioria dos pesquisadores concorde que o uso de cannabis pode impedir a memória de curto prazo, menos pesquisas foram realizadas sobre os efeitos da cannabis na memória de longo prazo.

Uma revisão de 2021 sugere que os consumidores pesados ​​​​de cannabis sofrem com comprometimento da memória de longo prazo. No entanto, outro estudo inovador do mesmo ano explorou os efeitos da cannabis na memória episódica visual – um tipo de memória de longo prazo – e descobriram que usuários pouco frequentes da substância não apresentavam memória de longo prazo prejudicada. Os usuários de cannabis no segundo experimento usaram seus derivados pelo menos uma vez por mês durante um período mínimo de dois anos. 

As gravações e análises cerebrais demonstraram que, embora os usuários de cannabis processassem suas memórias de maneira diferente, a qualidade geral de suas memórias era boa, sendo capazes de formar memórias de longo prazo.Ainda temos um caminho muito longo para, de fato, afirmarmos que a substância “X” ou “Y”, ou mesmo o medicamento “A” ou “B”, fazem bem ou não para a memória.

Um exemplo disso é o estudo da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), que ao tratar um paciente com Alzheimer com um extrato de cannabis rico em THC, descobriu que o mesmo apresentou um aumento de sua capacidade cognitiva e de memória. Por isso, a necessidade de mais pesquisa sobre o tema, se faz necessária.