Uma reflexão sobre a suspensão de tenista por uso de THC

Existe coerência nas percepções da WADA e federações esportivas diante do papel da cannabis na performance dos atletas

Publicado em 01/03/2024
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O tenista norte-americano Casey Kania foi suspenso por dois anos após uma violação do Programa Antidoping do Tênis (TADP). Atualmente em 1353º lugar no ranking de duplas, o jogador de 21 anos testou positivo para a substância Carboxi-THC (metabólito ativo da cannabis quando se usa o THC, um dos canabinoides da planta) após uma coleta de urina feita em agosto de 2023, durante o Challenger de Cary, nos Estados Unidos. Kania não possuía uma Isenção de Uso Terapêutico (AUT) válida e, por isso, foi preventivamente afastado, já que o produto faz parte da lista de proibições da Agência Mundial Antidoping (WADA). Embora a organização tenha aceitado que o tenista não violou intencionalmente as disposições do programa, o jogador não conseguiu demonstrar que não teve culpa ou negligência. Não será o último caso, infelizmente.

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Jimmy Fardin | Foto: arquivo pessoal

A WADA e muitas federações esportivas ainda veem a cannabis como uma tentativa de melhoria de desempenho. Já existem mais de 100 estudos que não chegam a uma conclusão de que a performance será enriquecida com o uso de cannabis. O desempenho do atleta pode ser alterado com medicações ou substâncias, ferindo o espírito esportivo. No entanto, existem muitas variáveis no quesito performance, tanto para prejudicar quanto para melhorar o rendimento na prática esportiva. Por exemplo, o holandês Wim Hof (o Iceman) adota uma prática de respiração desenvolvida por ele, que permite suportar o frio ao ponto de fazer maratonas na neve, somente de sunga. Detalhe que ele tem um irmão gêmeo que não adota a técnica e sofre com o frio como nós. Ou seja, a performance dele foi melhorada, mas isso não cairia no doping, assim como a meditação. Já existem estudos trazendo os benefícios para um atleta manter sua mente em equilíbrio e performar no seu melhor potencial.

Entretanto, uma noite mal dormida por ansiedade, a perda de um parente próximo, uma notícia ruim que abale o emocional poderia prejudicar o atleta que faria uma prova nos próximos dias. A cannabis entraria nesse quesito como um reequilíbrio homeostático. Ou seja, ajudaria o atleta a manter seu nível de equilíbrio (homeostasia) e a recuperação dos danos musculares causados pelos treinos ou provas do dia anterior, mas não aumentaria sua performance. Não é uma droga que vai aumentar a capacidade respiratória, não vai turbinar seus músculos como anabolizantes. Os estudos mostram que a cannabis modula os processos metabólicos celulares a ponto de não deixar que o estímulo seja exacerbado, assim mantendo o paciente no seu melhor estado possível. Por isso, o CBD já foi liberado em época de competição inclusive.

A punição de suspender por 2 anos é exagerada, uma vez que o THC em 30 dias normalmente é eliminado do corpo. Entendo que o indivíduo deve ser investigado; seria interessante avaliar qual foi o motivo do uso da cannabis pelo atleta, uma vez que na maioria dos casos de doping por uso de cannabis, o motivo alegado foi ansiedade, dor e insônia. Várias confederações já não estão mais punindo atletas pelo uso da cannabis, pois não há no atleta a intenção de quebrar as regras do jogo limpo, fair play. Estamos acostumados a conviver com a punição como corretivo ou lição. Na infância, quando um coleguinha bate no outro, ele é severamente punido, e quem apanhou é acolhido. No entanto, muitas vezes, aquele que bateu é quem mais precisa de ajuda. Cabe à WADA revisar seus protocolos de punição e, em caso de resultados positivos, investigar cada caso isoladamente antes de acabar com uma carreira promissora.

Imagem do colunista Jimmy Fardin
Jimmy Fardin

Jimmy Fardin é médico ortopedista e traumatologista, com especialidade em cirurgia do joelho e artroscopia, especialista em medicina do esporte, e medicina canábica. Já participou de Olimpíadas e Paralimpíadas como médico. Experiente no tratamento de dor crônica, lombalgia, tendinites, artrose, doenças degenerativas. “Meu objetivo é cuidar de você como ser humano, não só sua patologia”