"Colômbia, o pragmatismo como norte da Política de Drogas"

Pesquisador da economia da cannabis participou de congresso em Bogotá e diz que o "governo colombiano percebeu que a cannabis é uma oportunidade econômica grande demais para que ideologia seja um obstáculo"

Publicada em 07/10/2019

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Por Angelo Piscitelli é pesquisador e fundador do Observatório de Economia da Cannabis

Muitos países latino-americanos foram, literalmente, campos de batalha na guerra às drogas. Milhares de mortos e feridos. Corrupção generalizada. Famílias destruídas pela violência ocasionada por uma política pública cujos resultados deixaram muitíssimo a desejar, tendo um custo-benefício absolutamente aquém do que a civilização contemporânea está disposta a aceitar. Nesse contexto, muito grupos ao redor do globo clamam pela revisão dos marcos que institucionalizaram a proibição de diversas substâncias, em especial da cannabis, com distintos graus de sucesso.

Em 2012 vivi e trabalhei no Canadá, onde tive um aperitivo do que seria a inevitável transformação cultural em relação ao tema das drogas. Ao invés de políticas repressivas por meio do braço armado do Estado, o foco era em Redução de Danos. Uma consciência da escassez de recursos guiava a priorização no direcionamento da atividade policial, com ênfase em crimes violentos e/ou com grande escala no dano à sociedade - sendo o pequeno tráfico um tema fora destas duas verticais. Ademais, o uso medicinal da cannabis, permitido no país desde o início do milênio, havia criado, não somente uma mudança na percepção social do uso da planta e seus derivados, mas também uma pulsante economia orbitando o tema. Após o pioneirismo uruguaio em 2013, o Canadá foi o primeiro país desenvolvido a dar o ousado passo de regular não somente o uso medicinal, mas também adulto da cannabis, no recente ano de 2018.

A Colômbia compreendeu o poder dessas medidas e está se movimentando. Nessa nova postura há um fator norteador claro: o benefício econômico.

Este, que é um dos países que mais sofreu com o poder paraestatal em que se transforma o narcotráfico organizado, parece ter entendido o esforço inútil que é manter a ilegalidade como única regra. Os operadores neste mercado ilícito, muitíssimo bem financiados pelos ingressos gerados por um status legal que gera altíssimos riscos - e retornos maiores ainda -, inexoravelmente acabam por transformar seu poderio econômico em influência política e corrupção estatal. Com os movimentos nos extremos do continente, a Colômbia viu uma janela de oportunidade que não poderia ser desperdiçada, uma vez que desfruta de condições ideais para o cultivo da Cannabis “tipo exportação”.

Na  MJBiz Daily Latin American Symposium, uma conferência internacional que ocorreu aqui aqui em Bogotá nos dias 30 de setembro e 1º de outubro, operadores e investidores de diversas geografias - entre elas do Brasil - participaram de mais de 20 palestras e painéis sobre os diversos desafios que o setor da cannabis medicinal enfrenta.

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Angelo Piscitelli durante o congresso do MJBizDaily em Bogotá

No evento, tivemos a oportunidade de ouvir a visão de especialistas em sessões dedicadas a macrotemas como investimentos e finanças, oportunidades em mercados latino-americanos, A ciência por trás da Cannabis e Insights de produção e distribuição. Questões indo desde os problemas no acesso ao sistema bancário e no processo de due dilligence de investimento até aqueles relacionados a atividades como P&D, proteção de Propriedade Intelectual e singularidades no comércio exterior de um produto que ainda é considerado ilegal em grande parte do mundo preencheram os salões e corredores durante palestras e coffee-breaks em que cartões eram trocados e conexões estabelecidas.

Neste texto para o portal Sechat, quero focar em um tema chave que permeou diversas falas dentro e fora da agenda oficial do evento: a posição que o governo colombiano tem assumido em relação ao desenvolvimento do setor da cannabis medicinal em seu território.

Numa das principais palestras do evento, Juliana Villegas (vice-presidente de exportações na ProColombia - agência governamental dedicada ao suporte e promoção de Investimento Estrangeiro Direto - IED, exportações e turismo no país) deixou claro como e Estado colombiano percebeu que a cannabis é uma oportunidade econômica grande demais para que ideologia seja um obstáculo à plena captura da riqueza que será criada.

Desde que o país aprovou regulações autorizando empresas a produzir, transformar e até mesmo exportar produtos a base de Cannabis em 2016, o país já foi destino de mais de USD 400 milhões em IED.

Mesmo com a mudança de governo em 2018, um pujante setor medicinal se desenvolve no país, exportando produtos para mercados na Europa e agora mirando também a massa de pacientes que passarão a ter acesso a terapias canabinóides na América Latina - tudo isso apesar de ainda não prover medicamentos para a população do país. 

A retórica do órgão oficial é clara: a Colômbia pretende ser uma plataforma exportadora para o setor, beneficiando-se de vantagens competitivas de ordem climática e humana, bem como de acordos bi e multilaterais que asseguram facilidades no acesso a mercados consumidores.

Adicionalmente, Villegas compartilhou que até o momento foram criados mais de mil empregos diretos com altos níveis de capacitação, normalmente em atividades administrativas e legais, científicas e também na frente agronômica. O grosso, entretanto, ainda está por vir, uma vez que apenas uma parcela ínfima das empresas que enviaram aplicações para licenciamento já receberam a autorização para iniciar as operações.

Seguramente veremos que no curso dos próximos anos os setores relacionados à cannabis serão uma das forças motrizes na geração de emprego e aumento da renda do trabalhador na Colômbia, sendo uma das preocupações principais a garantia do acesso das populações campesinas às oportunidades que agora se apresentam.

No mais, tal movimento dinamizará a economia nacional, permitindo a emergência de todo um ecossistema empresarial que dará suporte ao desenvolvimento das cadeias medicinal e, futuramente, recreativa no país. Cito esta última por um motivo principal: logo após minha chegada ao país um projeto de lei propondo a regulamentação do mercado recreativo de cannabis no território colombiano avançou no Congresso.

Ainda é cedo para afirmar que a Colômbia irá legalizar plenamente a Cannabis no futuro próximo, mas já há números robustos e, com base nestes, um movimento para abandonar a abordagem de guerra e focar nas potencialidades que uma nova era de aceitação da Cannabis apresenta.

Uma coisa é certa: nossos vizinhos ao Norte não estão de brincadeira e, conscientes de que certos investimentos não serão transferidos para países com vantagens marginais, buscam atrair todo o capital possível antes que players como Brasil e Paraguai passem a configurar opções viáveis para os muitos milhões de dólares ansiosos por se multiplicar por meio do crescimento dessa oportunidade que, para muitos, ainda é tabu.

Pragmatismo é, sem dúvidas, a palavra de ordem na nascente economia da cannabis. A Colômbia já percebeu isso, podendo ser a grande campeã latino-americana no setor. 

Sigamos observando.

Angelo Piscitelli é pesquisador e fundador do Observatório de Economia da Cannabis, investigando os impactos da adoção da Cannabis como matéria-prima em diversas cadeias produtivas desde 2012. Com experiência em pesquisa de mercado, vendas, gestão corporativa, relações com investidores e M&A, hoje se dedica exclusivamente à compreensão da transformação econômica decorrente da legalização da Cannabis em suas formas psicoativa e não-psicoativa (conhecida como Cânhamo Industrial). É Diplomata Corporativo formado pela ESPM-SP, com minor em Relações com Investidores. 

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