CBD não é só remédio?

Depois de conversar com vários players, da América do Norte, da Europa, e da América Latina, a verdadeira dúvida já não é mais se essa flexibilização vai acontecer ou não, a questão é quando ela vai acontecer e como?

Publicada em 20/06/2022

capa
Compartilhe:

Por Marco Algorta

A pergunta formulada no título talvez seja neste momento a interrogação crucial do setor canábico no mundo, o seu verdadeiro “to be or not to be”, ser ou não ser.

Para a Organização Mundial da Saúde, por mais que o CBD tenha regras de controle mais laxas que outras misturas de canabinóides, o papel frio das convenções continua dizendo que o CBD é de uso exclusivo para fins medicinais. 

No entanto, quando falamos de Indústria Canábica com maiúscula, quando respaldamos nossos artículos e falas em palestras, quando modelos de negócios são apresentados a investidores, vemos que 75% das projeções dos números que aparecem aí, dessa escada de crescimento do mercado que parece ir até o infinito, estão e estarão destinadas a produtos e formulações de cannabis não medicinais.

No Brasil essa contradição é notória. O mercado brasileiro de CBD de cannabis prescrito por médicos por enquanto é esmagadoramente dominado por produtos feitos e controlados para fins não medicinais.

Claro que isso está mudando, e vai continuar a mudar no curto prazo. Enquanto eu escrevo este artigo, já são 18 os produtos com presença exclusiva de CBD com esse “quase” registro na Anvisa, como  permite a RDC 327, e quando este texto for publicado, talvez tenha aparecido algum mais. E esses produtos terão uma fatia cada vez maior de um mercado que não para de crescer, e esse crescimento é possível graças a enormes investimentos que deverão ser recuperados no médio e longo prazo.

Ou seja, por um lado temos empresas no Brasil que apostam em desenvolvimentos caros de produtos de qualidade medicinal, e por outro, a tendência mundial é que o CBD, cedo ou tarde, seja considerado um superalimento e não mais uma substância controlada.

Essas mudanças sem dúvida  não acontecerão do dia para a noite. Na verdade, vários prognósticos otimistas sobre a flexibilização do uso do CBD foram derrubados. Muitos diziam que seria em 2020, em 2022, e por aí vai. A discussão entre as autoridades sanitárias internacionais sobre a inocuidade do CBD continua agitada.

Também é certo que os usos não medicinais do CBD não param de avançar. Enormes grupos de pressão cada vez ganham mais força. As marcas de CBD para o esporte, as marcas de CBD para o cuidado íntimo da mulher, o CBD para uso em bebidas, para fins veterinários e alguns outros não param de surgir. Por outro lado, vemos idas e voltas em aspectos regulatórios:  a Europa permite o CBD como Novel Food e depois barra,  a Health Canada autoriza o CBD em bebidas mas depois restringe, as autoridades da Colômbia e do Uruguai anunciam o desenvolvimento de alimentos com canabinóides mas tudo nada de fato acontece. Hoje, no Canadá, depois de investimentos bilionários de empresas do ramo de bebidas na indústria, a principal empresa de cannabis do mundo tem uma enorme fábrica de bebidas desligada, literalmente.

Depois de conversar com vários players, da América do Norte, da Europa, e da América Latina, a verdadeira dúvida já não é mais se essa flexibilização vai acontecer ou não, a questão  é quando ela vai acontecer e como. As empresas medicinais, por um lado, fazem pressão, na legítima defesa dos seus investimentos, para que isso demore, com medo que uma banalização do CBD prejudique o seu desenvolvimento. Por outro lado, no embalo da cannabis, grupos com excelentes projetos de CBD em alimentos fazem o seu jogo para que a sua atividade seja liberada. 

Nessa disputa de querer evitar o inevitável, quem levará a melhor será aquele que for capaz de ter uma visão estratégica a longo prazo e de ver o mercado de cannabis por cima, como quem vê uma cidade de noite pela janela de um avião.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre o autor:

Marco Algorta mora no Uruguai e está na indústria da cannabis desde o começo. Ele foi um dos promotores da Câmara das Empresas de Cannabis Medicinal, sendo eleito o primeiro presidente. Marco deu palestras nos Estados Unidos, Canadá, México, Argentina, Uruguai e Brasil, é pai de cinco filhos e magister em narrativa e redação criativa.