Cannabis no SUS de SP: expectativa X realidade

As pequenas vitórias diárias merecem, sim, comemorações, mas é sempre saudável e mais realista investigar o que, de fato, configura tal conquista, evitando se deixar ludibriar por manchetes sensacionalistas ou inconsistentes manobras políticas

Publicada em 08/02/2023

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Por Maria Ribeiro da Luz

Para nós canabistas, janeiro foi um mês marcado pela expectativa sobre o posicionamento do governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, a respeito do PL 1180/19. O projeto de lei  trata do fornecimento de "medicamentos formulados de derivado vegetal à base de canabidiol, em associação com outras substâncias canabinóides".

O atual governador foi engenheiro do exército brasileiro, ministro da Infraestrutura e apoiador do último ‘desgoverno’, de extrema direita. Ele finalmente sancionou no dia 31 de janeiro de 2023 a lei de acesso à cannabis medicinal no Sistema Público de Saúde do Estado de SP. O projeto, de autoria do deputado Caio França (PSB), teve o apoio de mais de 41.000 pessoas por meio de petição online.

Atualmente, o acesso de produtos à base de cannabis no Brasil é garantido pelo trabalho louvável das associações de pacientes, por meio da importação de produtos, ou diretamente nas farmácias, com preços proibitivos, tornando-se inacessível para a grande maioria da população.

É inegável que a abertura de espaço para debate da pauta canábica na esfera política já é um avanço da nossa realidade no Brasil. Uma aprovação como essa, vindo de um governador de direita, é, sem dúvida, uma conquista inesperada.

O estabelecimento de políticas públicas para garantir acesso à nossa população de forma justa e democrática, é uma grande vitória, e representa o objetivo pelo qual, a maioria de nós, canabistas, trabalhamos. Entretanto, é necessário entender como, de fato, isso se configura na prática.

A Lei nº 17.618, de 31/01/2023, foi aprovada com texto extremamente sucinto, pois teve 6 dos 10 artigos do projeto de lei vetados. Entra em vigor em 90 dias, quando a Secretaria da Saúde deve criar uma comissão de trabalho, para implementar as diretrizes desta política no Estado, “com participação de técnicos e representantes de associações sem fins lucrativos de apoio e pesquisa à cannabis e de associações representativas de pacientes”.

O texto estipula que serão fornecidos "medicamentos de derivado vegetal à base de canabidiol, em associação com outras substâncias canabinóides, incluindo o tetrahidrocanabidiol", contudo, existem apenas cinco  produtos no mundo considerados como medicamento,  três  deles  sintéticos. 

A lei também restringe o fornecimento "aos pacientes portadores de doenças que comprovadamente o medicamento diminui as consequências clínicas e sociais dessas patologias"; ou ainda especifica que o SUS deve “ tratar pacientes cujo tratamento com a cannabis medicinal possua eficácia ou produção científica que incentive o tratamento” - o que limita consideravelmente o acesso da grande maioria da população, negando qualidade de vida a muitos, que sofrem com diversas condições de saúde, pois graças ao legado do proibicionismo, ainda faltam evidências científicas conclusivas nas pesquisas com cannabis.

(Foto: Thcamera /Jonas Tavares)

Chegamos, portanto, facilmente à conclusão de que a nova lei é sim um avanço, mas está longe de ser uma solução. É necessário fomentar pesquisas científicas em torno da cannabis para validar sua eficácia e suas diversas propriedades, tornando possível o acesso a todos que possam se beneficiar da planta. 

Precisamos disseminar informações, educação e debates a todos os brasileiros, mas, principalmente, aos profissionais de saúde, que precisarão de tais ferramentas para exercer suas funções com assertividade, sem desmerecer as diversas possibilidades terapêuticas da cannabis.

Por último, e mais importante: é essencial não deixarmos que as pequenas vitórias nos distanciam da realidade ideal.  Para que todos os brasileiros possam se beneficiar das diversas possibilidades terapêuticas da planta, precisamos seguir trabalhando pela legalização e regulamentação do auto cultivo no Brasil, pois, apesar disso ainda parecer utópico, o acesso à saúde é um direito humano fundamental. 

Não podemos esquecer que, apesar  da cannabis ser uma potente aliada da saúde, ela ainda está envolta no proibicionismo, e em injustas complexidades políticas, raciais e sociais; contudo, nenhuma dessas questões isenta o fato de tratarmos essencialmente de uma planta, que, florindo, tem a capacidade de mudar vidas.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre a autora:

Maria Ribeiro da Luz é fundadora da Anandamidia, uma empresa especializada em mídias diversas para cannabis, que opera entre Brasil e Canadá. Maria está imersa no universo da cannabis no Canadá, e em suas colunas, aborda ciência, história e inovações do mercado norte americano, com o intuito de fortalecer a causa no Brasil.

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