Cânhamo industrial e o potencial de desenvolvimento no Brasil

Entraves da regulamentação às vésperas de eleições federais

Publicada em 17/08/2022

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Por Sofia Missiato

Geralmente muito resistente e com baixa necessidade à água, o Cânhamo proveniente da Cannabis sativa cresce em clima de altas temperaturas com primaveras e verões mais quentes e dias longos. Se é ideal para o ambiente brasileiro,  por qual razão a legislação não avança por aqui?

O Projeto de Lei 399/2015, que prevê regulamentar os usos medicinal e industrial da cannabis, está parado na Câmara dos Deputados há mais de um ano e a justificativa para sua regulamentação encontra um rico ambiente conflitante às vésperas das eleições. 

As várias possibilidades oferecidas pela planta vão muito além do consumo específico de suas flores femininas, em que os mais de 60 canabinóides (incluindo THC, CBD, CBN, CBC) são encontrados com maior intensidade. A diferença mais reconhecível entre maconha e cânhamo é o maior teor de THC no primeiro - e seu efeito psicoativo correspondente. Tais compostos químicos, em interação com o sistema endocanabinoide humano, geram diversas respostas em processos fisiológicos. 

As possibilidades da planta de cânhamo são principalmente suas fibras (caule) e sementes dada a geração de matéria-prima para diversas indústrias transformadoras de base, como a indústria têxtil, de papel e celulose, móveis, plásticos, construção civil, suplementação alimentar e farmacêutica. O interesse agroindustrial do cânhamo é enorme e se difere do uso adulto, ou seja,tratam-se de  mercados diferentes. 

A legalidade do cultivo de cânhamo está em uma zona cinzenta no Brasil. O produto contém quantidades insignificantes de fitocanabinoides psicotrópicos, mas, ao mesmo tempo, ainda é proveniente da Cannabis sativa, mesma planta que dá origem à maconha. O PL 399 não contempla o autocultivo, pilar fundamental para o barateamento do produto à base da maconha. O Projeto de lei 2899/2022 prevê a regulamentação de plantio, armazenamento e transporte da planta para fins medicinais, mas segue parado.

Em São Paulo foi criada, em outubro do ano passado, a Frente Parlamentar em Defesa da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial e também na cidade tramita o Projeto de Lei 11890/2019 para garantir a distribuição gratuita de medicamentos à base de cannabis pelo SUS. São todos projetos emperrados no congresso.

Assim, perante uma incipiente oportunidade de mercado, ainda mais no contexto de crise econômica e climática, interessa aos investidores desenvolver estratégias que se adaptem às necessidades de produção nacional. A tendência regulatória já é vista no Canadá, Uruguai, Paraguai, México, Colômbia  e vários estados dos EUA.

De acordo com as projeções da Kaya Mind, inteligência de mercado especializada em dados sobre a planta, atualmente, 222 empresas atuam no setor de cannabis no Brasil, desse total, 44,8% trabalham com cannabis e cânhamo. Se a produção fosse legalizada, a venda dos derivados do cânhamo industrial poderia movimentar R $4,9 bilhões no país e gerar R$ 330,1 milhões de impostos estaduais. Ainda segundo o estudo, caso a produção de sementes seja legalizada, o custo seria de R $6,82 mil por hectare.

Estamos integrando as potencialidades dos insumos existentes no país?

Lorenzo Rolim é engenheiro agrônomo e fundador da Associação Latino Americana de Cânhamo Industrial - LAIHA, na sigla em inglês. (Imagem: Sechat/Arquivo Pessoal Lorenzo Rolim)

Lorenzo Rolim, colunista do Sechat e diretor da LAIHA (Associação Latino-Americana de Cânhamo), acredita que mudanças ainda precisam ser feitas em âmbito regulatório internacional para promover especificamente  a indústria de cannabis e cânhamo: ‘’Muitos países têm algum grau de liberalização , porém uma ação mais contundente da ONU seria bem-vinda, especialmente em relação ao cânhamo industrial. Enquanto não houver uma normativa clara e definida, os avanços irão seguir por conta das legislações de cada país”.

O consumo para uso medicinal no Brasil, apesar de projetos parados, já avançou alguns passos. Contamos com a importação de produtos desde 2014 e mais recentemente alguns foram registrados na ANVISA e vendidos em farmácias, e até financiados pelo SUS para casos de epilepsia. Para  Rolim os problemas são  que seguimos demasiadamente atrasados em relação ao cultivo local e o acesso aos medicamentos ainda é muito elitizado devido ao alto custo dos produtos e falta de alternativas regionais  com preços  menores. “Sem cultivo ficamos atrás também na exploração dos diversos usos industriais da planta, o que é uma perda grande pois somos líderes mundiais em produção e transformação de biomassa de plantas e poderíamos beneficiar a agricultura brasileira em volumes significativos se o cultivo fosse regulamentado”, conclui.