Cânhamo e cannabis: são e não são a mesma coisa

“Separar o cânhamo da cannabis, em um mundo ideal, é um absurdo. Mas o mundo real está longe de ser um mundo ideal,” revela Marco Algorta ao comparar os interesses legislativos e industriais com a realidade do cultivador comum

Publicada em 21/03/2022

capa
Compartilhe:

Por Marco Algorta

Os leitores do Sechat e o círculo da indústria concordarão comigo: cannabis e cânhamo são a mesma planta. As variações da concentração de THC, com base em limites arbitrários de 0,2, 0,3 ou 1%, estabelecidos por um burocrata, não mudam a planta. Mais do que isso, a concentração de THC, ou seja, uma referência comparativa massa/massa, o peso da planta comparado com o peso molecular do THC presente nesta planta, varia não só de acordo com o tipo de genética plantada, o fenótipo de cada corte, mas também com as condições agronómicas do cultivo. Por exemplo, em anos de maior seca, a planta perde peso e as concentrações moleculares ganham preponderância sobre o peso total, e vice-versa. 

No Uruguai, o primeiro país a aumentar para 1% a concentração máxima de THC para o cânhamo, sabemos na prática todos os problemas que essas definições arbitrárias podem trazer.

Dois anos atrás, 40% dos cultivos de cânhamo do Uruguai eram feitos com a mesma genética, certificada por institutos nacionais da semente e avaliada pelas autoridades competentes. O preço era bom e os fornecedores pretendiam vender o produto final no mercado suiço. Mas uma coisa é conseguir um certificado de um instituto que permite o registro de uma variedade, em uma colheita pequena e controlada, e outra coisa, bem distinta, é levar essa experiência a campo aberto, em centenas de hectares.

A maioria dos cultivadores, nesse ano, plantaram cânhamo e colheram cannabis. Porém, ninguém sabe o que aconteceu com toda essa produção.

Surgiram outros problemas relacionados às variações de THC: mercadorias destruídas no aeroporto de Frankfurt, diferenças nos processos e nos métodos analíticos entre países, entre outros.

Separar o cânhamo da cannabis, em um mundo ideal, é um absurdo. Mas o mundo real está longe de ser um mundo ideal.

A indústria da cannabis continua sendo uma novidade e temos pouca informação, tudo ainda está por acontecer. Entretanto, nos países onde as coisas estão acontecendo, quase sempre vemos que o cânhamo e a cannabis têm leis ou normativas específicas. O exemplo dos Estados Unidos é bem claro. A indústria do cânhamo encontrou os seus próprios mecanismos regulatórios e financeiros para poder operar. Hoje em dia, o cânhamo é um cultivo bastante representativo para a economia dos Estados Unidos, com um valor de 4,2 bilhões de reais em 2021. E isso não teria sido possível sem a Farm Bill, que removeu o cânhamo, definido como cannabis (Cannabis sativa L.) e derivados de cannabis com concentrações extremamente baixas de THC (não mais que 0,3% de THC em uma base de peso seco) da definição de maconha prevista na Lei de Substâncias Controladas (CSA).

O Paraguai foi por um caminho parecido e hoje é o maior exportador de alimentos derivados de cânhamo. 

Existem outros motivos para o sucesso de uns e de outros; não quero simplificar, uma vez que o CBD, seja ele proveniente do cânhamo ou da cannabis, continua gerando controvérsia em todos os países. Mas o tratamento regulatório separado do cânhamo e da cannabis tem sido benéfico para o setor. Sei que existe essa sensação de que tratar  os assuntos separadamente permitiria às bancadas políticas com vínculos com o agronegócio avançar, deixando a luta pela normalização dos usos da cannabis para trás. Mas a experiência empírica, até o momento, mostra, por um lado, que normalizar o uso do cânhamo ajuda a gerar uma opinião pública favorável aos outros usos da Cannabis Sativa L., e, por outro, que a confusão não ajuda a ninguém.

O mundo não é tão ideal nem tão ruim, como diria o compositor Discépolo, o mundo é o que é e, encontrar os melhores caminhos para transformar esta indústria em um sucesso, dependerá de todos nós.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre o autor:

Marco Algorta mora no Uruguai e está na indústria da cannabis desde o começo. Ele foi um dos promotores da Câmara das Empresas de Cannabis Medicinal, sendo eleito o primeiro presidente. Marco deu palestras nos Estados Unidos, Canadá, México, Argentina, Uruguai e Brasil, é pai de cinco filhos e magister em narrativa e redação criativa.