Até quando vamos continuar com a guerra às drogas?

Políticas de drogas do Uruguai insistem em se prender aos velhos costumes

Publicada em 28/07/2022

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Por Marco Algorta

Parece inacreditável que no Uruguai, país de vanguarda, que sempre teve um espírito reformista, o primeiro país da América Latina a incluir o voto feminino, o primeiro a autorizar o divórcio por vontade única da mulher, a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e, em 2013, a cannabis, estejamos mais uma vez discutindo qual caminho seguir para acabar com o problema das drogas.

Apesar dos esforços da Secretaria Nacional de Drogas de manter  aquele espírito reformista que está na base de nossa República Oriental do Uruguai, tentando aplicar ações como programas de redução de danos que propõem algo diferente do antiquado e ineficiente combate às drogas, dentro da coalizão do governo, imediatamente emergem vozes contra essas diretrizes e repetem os mesmos discursos e supostas soluções que não funcionaram, repetidamente. 

Tais atitudes, sobretudo por meio de resoluções administrativas, boicotam qualquer tentativa de mudança. De acordo com o último orçamento nacional, foram destinados 10 vezes mais recursos para programas de internação compulsória de dependentes químicos do que para toda a Secretaria Nacional de Drogas e, tudo isso, na mesma semana que um estudo é publicado mostrando que o consumo de cannabis entre os jovens diminuiu com a legalização.

Nove anos após a entrada em vigor da lei da maconha, o percentual de opinião pública que aprova a sua legalização dobrou e hoje conta com o apoio da maioria da população uruguaia.

Até quando?

Até quando vamos priorizar a alocação de recursos para políticas que falharam completamente nos últimos 50 anos?

Por quanto tempo aplicaremos as chamadas soluções de internação e isolamento a toxicodependentes que têm apenas e tão somente 10% de eficácia?

Até quando vamos financiar isso?

Até quando vamos continuar com políticas que, longe de reduzir o uso de drogas, criminalizam a pobreza? 

Até quando continuaremos enchendo nossas prisões de pobres, mulheres e negros? Quantas prisões mais serão necessárias?

Até quando vamos permitir que o crime organizado tenha o monopólio da venda de drogas, cuja renda será usada para comprar armas melhores, sequestrar mais, roubar melhor?

Até quando vamos continuar ignorando os estudos científicos que mostram claramente que os modelos de redução de danos e regulação do mercado de drogas trazem mais benefícios para a sociedade? 

Até quando vamos permitir que a velha e ultrapassada moralidade dite as regras?

Até quando seguiremos as diretrizes dos Estados Unidos e suas convenções internacionais no combate às drogas, sendo que este é o país com maior número de habitantes com problemas relacionados ao uso de drogas? Até quando vamos ouvi-los?

Por quanto tempo esses dogmas repetidos por Nixon e Reagan continuarão a ressoar em nosso continente?

Até quando aceitaremos de joelhos a criminalização das plantas nativas de nossos povos, de nossas cerimônias? Até quando vamos repetir essas práticas coloniais?

Até quando vamos perder a oportunidade que a legalização traz?

Até quando vamos continuar com a guerra às drogas?

Até quando?

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre o autor:

Marco Algorta mora no Uruguai e está na indústria da cannabis desde o começo. Ele foi um dos promotores da Câmara das Empresas de Cannabis Medicinal, sendo eleito o primeiro presidente. Marco deu palestras nos Estados Unidos, Canadá, México, Argentina, Uruguai e Brasil, é pai de cinco filhos e magister em narrativa e redação criativa.