As três regras de ouro da indústria canábica

Através da comparações entre legislações e mercados nacionais e internacionais, Marco Algorta mostra como ainda é necessário seguir três regras essenciais para o desenvolvimento da indústria

Publicada em 21/02/2022

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Por Marco Algorta

Hoje em dia, no Brasil, uma polêmica atravessa o ecossistema empresarial canábico. A discussão é nova por aqui, mas velha em outros países que têm uma indústria parecida. Como as decisões judiciais que geram novas vias de acesso a produtos derivados da cannabis afetam o desenvolvimento da indústria?

Dizem que quem não estuda história e não conhece o seu passado está condenado a repeti-lo.

Assim como nos Estados Unidos e no Canadá, as principais potências da indústria canábica, no Brasil não foi diferente. Os primeiros pacientes que acessaram produtos derivados da cannabis de forma legal o conseguiram através de decisões judiciais. Vou ser mais preciso: dia 3 de abril de 2014, Anny Fischer tornou-se a primeira pessoa com autorização judicial para importar um derivado da maconha para o Brasil e, ao mesmo tempo, naquele 3 de abril, era fundada a indústria canábica brasileira.

A resolução 335/2020 da ANVISA, que regula a importação individual de produtos derivados de cannabis para uso medicinal atende justamente aos pedidos judiciais de importação especial que começaram a ocorrer em 2014. Todas as empresas canábicas do Brasil exploram as possibilidades dessa RDC atualmente.

Essa primeira judicialização para o caso da Anny Fischer ocorreu depois de uma reportagem da revista Super Interessante, que se converteu no curta Ilegal, que o programa Fantástico exibiu no horário nobre da TV. Só depois disso a indústria cannábica do Brasil foi inaugurada. Essa indústria gerou empresas, que algumas inclusive, querem impedir esta nova judicialização, no entanto faturam milhões vendendo CBD através dela.

A decisão judicial de permitir uma farmácia de manipulação de São José do Rio Preto a elaborar produtos de cannabis não é nenhuma novidade para o ambiente canábico empresarial. Na Alemanha e Colômbia, por exemplo, funciona um sistema parecido. No Uruguai, a ex-vanguarda da cannabis, existe até uma lei aprovada há mais de dois anos que prevê o mesmo método de produção magistral, porém sem regulação. O projeto de lei na Argentina previa esse tipo de produto, e o PL 399 no Brasil, também.

É importante recordar que os países que têm as indústrias de cannabis medicinal mais desenvolvidas são aqueles em que existe uma enorme variedade de vias de acesso aos produtos. Na América do Sul, é a Colômbia, na América do Norte, os Estados Unidos – a partir de regras estaduais e  mesmo sem uma norma federal, – na Europa, a Alemanha, na África, a África do Sul, na Oceania, Austrália, e na Ásia, Israel. As decisões judiciais que flexibilizam as vias de acesso em um setor hiper-regulado são sempre benéficas para a indústria porque são benéficas aos pacientes.

O argumento da suposta falta de segurança na elaboração dos produtos era o mesmo argumento que usava a Anvisa para não autorizar a importação dos produtos para Anny Fischer. Insegurança é não poder acessar um produto que muda radicalmente a vida de milhares de famílias. As flexibilizações que a RDC 335/2020 e a RDC 327/2019 trouxeram, graças àquela judicialização, que autorizam a venda de produtos na farmácia sem serem sequer medicamentos, ajudaram muito. Mas são elitistas, e a discriminação econômica também é insegurança.

Este não é o momento de estar brigando por migalhas. Por mais argumentos de proteção aos investimentos que possam ter algumas empresas, essa discussão, agora, é inútil. As empresas dos países que têm seu mercado interno mais desenvolvido, mesmo nesses países, sabem que mais de 50% das pessoas continuam acessando produtos por meio de mercados paralelos. A questão agora não é como proteger as migalhas que conseguimos, mas como fazer crescer o bolo. Reclamemos o andamento da PL 399, entremos com milhares de ações judiciais, mas nunca, nunca, tomemos a acessibilidade dos pacientes como refém dos nossos investimentos.

Existem três regras de ouro para o desenvolvimento da indústria cannábica: primeiro os pacientes, segundo os pacientes e terceiro os pacientes.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

Sobre o autor:

Marco Algorta mora no Uruguai e está na indústria da cannabis desde o começo. Ele foi um dos promotores da Câmara das Empresas de Cannabis Medicinal, sendo eleito o primeiro presidente. Marco deu palestras nos Estados Unidos, Canadá, México, Argentina, Uruguai e Brasil, é pai de cinco filhos e magister em narrativa e redação criativa.