A maior dor no mundo da cannabis é a desinformação

Em sua coluna de estreia no Sechat, o ortopedista focado em medicina canabinoide no esporte, Dr. Jimmy Fardin, destaca como a desinformação ainda atrapalha o desenvolvimento da pauta

Publicada em 21/06/2022

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Por Jimmy Fardin

Aos 11 anos, comecei a surfar com meu irmão, com o incentivo do meu padrasto, que na época não tinha dimensão do bem que estaria fazendo para minha vida. O esporte aliviou muito a dor da perda do meu pai, que faleceu quando eu tinha 8 anos. Meu pai era médico, autodidata e foi um homem além dos tempos, que estudava substâncias psicoativas.

Quando entrei na faculdade de Medicina, a atividade esportiva era algo que me chamava atenção e a minha escolha pela ortopedia também foi pensando nisso. 

Com a rotina da Medicina, o surf foi ficando mais distante e a Medicina tradicional me tomando e me afastando cada vez mais dos meus pacientes e do meu propósito. 

Quando me tornei pai, comecei a questionar a minha rotina de trabalho. Queria ver meus filhos crescerem e fiz uma mudança muito significativa na minha vida. Me mudei para o sul da Bahia. Comecei a surfar todos os dias, mudei a minha alimentação, resgatando o esporte na minha vida.

Com a mudança do ritmo dos atendimentos e a possibilidade de conhecer melhor meus pacientes, o meu foco começou a ser a qualidade de vida. Muito curioso pra mim, que fui massacrado por uma medicina que trata a doença e não o paciente. Nessa época, conheci uma tribo indígena que me apresentou a cannabis e outras ervas medicinais. 

Comecei então a estudar e a fazer cursos. Até que tive contato com atletas amadores que usavam a cannabis e começaram a ter o seu tempo de recuperação acelerado, assim como a diminuição das dores e da ansiedade…

E por que? 

A ação da cannabis em receptores nociceptivos diminui as dores, o acúmulo de radicais livres liberados no exercício e de citocinas inflamatórias. Ela também age em receptores de serotonina, melhorando o bem estar e a ansiedade.

Nesse intere, foram surgindo atletas profissionais e foi extremamente impactante pra mim, acompanhar a rotina desses atletas. Rotinas exaustivas, com treino, fisioterapia, alimentação regrada, fortalecimento, cobrança interna e externa, ansiedade, etc.

São seres humanos buscando superação com as emoções sucumbidas a tanta cobrança, com um convívio diário com dores constantes. Tudo isso por quatro anos seguidos para decidir sua vida em 20 segundos de prova numa olimpíada e paralimpíada.  

O atleta ou paratleta submete seu corpo a extremos e muitas vezes até além do seu limite. Quando seu corpo está sob uma demanda exacerbada, ele frequentemente entra em desequilíbrio. E para reequilibrar suas reações químicas e restabelecer a homeostase são necessárias substâncias que controlem essas reações. 

Pior ainda para os paratletas que, além disso, ainda possuem condições que geram síndromes dolorosas, neuropatias, alterações metabólicas ou distúrbios genéticos.

O Sistema Endocanabinoie, seus receptores CB1 e CB2  e os componentes Anandamida e 2-AG são revolucionários e vem mudando a minha vida, da minha família e dos meus pacientes. 

Esse sistema é exatamente o maestro que controla toda a orquestra das reações químicas do nosso corpo, além de promover ou buscar restabelecer a homeostase, aquela que o atleta frequentemente desequilibra. 

A planta fornece os canabinoides, que imitam essas substâncias e promovem a reorganização.

 A falta de informação vem deixando de beneficiar muitos atletas, pois uma vez que o atleta adquire essa ferramenta terapêutica, ela vai diminuir os efeitos colaterais de exercícios extenuantes, dores,  além de melhorar a recuperação muscular, o sono e diminuir o estresse e a pressão por resultados. 

Não existe malefício para o atleta, nem uma performance desleal, em que fere o espírito esportivo, porque o fitoterápico só  vai restabelecer o que o corpo daquele atleta já possui, porém está desequilibrado. 

Infelizmente, toda essa informação tem sido desconsiderada e o atleta profissional, que testar positivo para essa substância, pode ser banido do esporte durante as competições. 

A dor maior vem da desinformação. 

Só em 2018, a WADA, agência mundial antidoping, que regula o uso de substâncias que os atletas olímpicos e paralímpicos podem usar em competições, abriu um pouco os olhos para o CBD, liberando esse canabinoide isolado para uso pelos profissionais. 

O CBD isolado - sem os outros canabinoides e o efeito comitiva - perde muito do seu potencial. O atleta pode até ter algum benefício, mas não conseguirá a homeostase que poderia. Tenho alguns pacientes que comprovam isso. 

Em época de competição, suspende-se o uso do óleo Full Spectrum - que contém CBD, THC e outros canabinoides - para tomar somente o óleo com CBD. 

Os pacientes se referem a alterações no sono, piora na ansiedade e na recuperação muscular, além de diminuir o foco durante a prova e das dores voltarem com mais intensidade. Vivemos uma realidade em que atletas como Simone Biles e Gabriel Medina interrompem suas carreiras no auge devido aos desequilíbrios emocionais e físicos. 

Seres humanos como todos nós, que estão sendo submetidos a pressões internas e externas, muitas vezes desencadeando depressão, crises e traumas.

À medida que estudos científicos são publicados, fica mais evidente o benefício que a cannabis pode promover, sem ferir o espírito esportivo ou prejudicar os atletas. 

A agência antidoping está de olho e revisando suas proibições a cada ano… a indústria está crescendo cada vez mais e disponibilizando diferentes tipos de produto e concentração para beneficiar quem precisa. E, certamente, cada vez mais canabinoides vão sendo liberados para o uso.  Quanto mais a informação de qualidade e de conteúdo sério for distribuída e propagada, mais médicos poderão usufruir dessa ferramenta importante e mais pacientes que sofrem diariamente terão seus sintomas amenizados. 

Só esperamos que isso aconteça logo e que em Paris 2024 esse assunto já esteja bem elucidado. Infelizmente, a desinformação é uma questão séria que não atinge só quem poderia se beneficiar da planta, mas há muitos médicos que ainda repudiam a cannabis e deixam de dar uma qualidade de vida a seus pacientes.

A informação nos liberta da dor. A cannabis veio para revolucionar a medicina e as nossas vidas.

Agradeço a oportunidade de poder ser colunista do Sechat e trazer um pouco mais de  consciência para todos!

*Jimmy Fardin é médico ortopedista e traumatologista, com especialidade em cirurgia do joelho e artroscopia, especialista em medicina do esporte, e medicina canábica. Já participou de Olimpíadas e Paralimpíadas como médico. Experiente no tratamento de dor crônica, lombalgia, tendinites, artrose, doenças degenerativas. “Meu objetivo é cuidar de você como ser humano, não só sua patologia”.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.