A Cartilha de Augusto

Indignado com os argumentos usados contra a Cannabis medicinal na cartilha “Os riscos do uso da maconha na família, na infância e na juventude", lançada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, usuário da terapia decidiu refutá-l

Publicada em 21/12/2020

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CAROLINE VAZ (texto) e CHARLES VILELA (edição)

Augusto Saraiva, 42 anos, usa a Cannabis medicinal desde novembro de 2018 para amenizar as dores causadas pela doença raríssima que sofre, a Deficiência de Carnitina Palmitoil Transferase do tipo 2. As crises da doença o deixa com o corpo paralisado e os músculos enrijecidos. Estima-se que essa doença atinja somente 100 pessoas no mundo. 

Augusto se sentiu indignado ao ler a cartilha “Os riscos do uso da maconha na família, na infância e na juventude", lançada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Ele, então, decidiu produzir um documento para contrapor o conteúdo apresentado pelo ministério comandado por Damares Alves. Seu objetivo é refutar os argumentos utilizados da cartilha do governo que, segundo ele, são rasos e sem embasamento. Então, ele resolveu produzir um documento para contrapor os principais tópicos da cartilha de Damares.

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“Primeiro, o que me chamou a atenção foi o senso de oportunidade. Ela (a cartilha) foi lançada um dia antes da votação da ONU, que existia a expectativa da retirada da maconha do anexo 4, que considera ela perigosíssima e sem efeitos medicinais. Então parece que foi pensado estrategicamente para contrapor isso, tanto que o Brasil votou contra”, comenta.

Depois de ler a cartilha, o paciente diz que verificou todas as fontes e trabalhos científicos que foram citadas para embasar o conteúdo do documento e, analisando o método e os artigos que foram utilizados, Augusto afirma que são pouco consistentes, inclusive em suas metodologias de pesquisa. “Tudo pode ser contestado ali, parece um sofismo, uma tentativa de elaborar um argumento que não tem base. Quando eu vi isso, senti a necessidade de fazer um contraponto baseado na minha experiência pessoal.”

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Quando Augusto descobriu que sofria da síndrome rara, os médicos deram a ele apenas uma solução: entrar em coma induzido para que seu coração não parasse de funcionar por conta da dor. Incrédulo com a situação e a falta de alternativas dadas pelos profissionais, Augusto decidiu, sozinho, ir atrás de algo que pudesse lhe manter vivo. Foi aí que chegou à Cannabis medicinal.

“Numa parte da cartilha eles colocam a palavra ‘medicinal’ entre aspas, porque eles afirmam que, na verdade, a Cannabis medicinal não existe. Bom, eu sou a prova viva do contrário. A cannabis salvou minha vida do coma induzido e salva até hoje. Então como eles podem falar que não existe Cannabis medicinal? Nós, que utilizamos a Cannabis medicinal como tratamento, temos a obrigação de informar a verdade para as pessoas porque, da mesma forma que ela salvou minha vida, pode salvar muitas outras”, comenta Augusto. 

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Ele critica, também, o fato de alguns estudos serem antigos - com mais 20 anos - e feitos a partir de métodos que não condizem com a realidade brasileira. Em um dos estudos expostos na cartilha, Augusto aponta a inconsistência do método utilizado. “Tem um trecho na cartilha que fala muito do impacto social da maconha. Fui atrás do estudo que embasou isso e fiquei abismado com a maneira com que chegaram à conclusão”, disse. “Se você leva um pesquisador para uma comunidade, possivelmente você irá encontrar esse cenário de abandono escolar, desemprego, e outros problemas sociais, e então você pergunta para as pessoas ‘você usa maconha?’, e se a pessoa responde que sim, você diz ‘então é por isso’. Mas sabemos que não é. Isso (os problemas sociais) se deve à baixa escolaridade, desigualdade social, ausência do estado, mas a culpa é da maconha?”, indaga Augusto.

Por considerar ter tido a vida salva com a Cannabis medicinal, Augusto diz que se sentiu na obrigação de abrir os olhos para a verdade: a Cannabis é medicinal. “O Brasil está no sentido contrário do mundo. O Governo Federal está fazendo um esforço grande para barrar o PL 399/2015, então está muito na contramão do progresso científico. Por isso, me vejo na obrigação de colocar a boca no trombone.”