Jogar o problema debaixo do tapete do obscurantismo científico não é solução

Publicada em 15/08/2019

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Faltam poucos dias para o término das consultas públicas sobre a regulamentação da cannabis medicinal, quem esta inserido nessa pauta há alguns anos sabe o quanto esse momento é importante.

Quando comecei a prescrever medicações a base de canabidiol, as orientações da Anvisa tinham critérios de inclusão e exclusão que hoje seriam hilários. Por exemplo: a medicação só poderia ser ministrada em crianças e adolescentes de 2 a 17 anos, depois dessa idade não tinha mais indicação, ou melhor, a indicação médica até tinha, porém nenhuma determinação ou orientação da Anvisa.

Os meus pacientes a partir de 18 anos eram igualmente tratados, medicados - porque pra mim isso não tinha a menor coerência; e deixar de cuidar de alguém não faz parte da minha conduta. Todas as pessoas - crianças, idoso ou jovem, homem ou mulher - todos merecem o mesmo respeito.

Mas a dificuldade não era e não é somente a questão burocrática para aquisição do medicamento, os custos elevados sempre foram um problema também. É muito difícil, para qualquer pessoa, conhecer uma terapia que dá resultado e não conseguir ter acesso a ela, principalmente quando você vê redução nas convulsões do seu filho, uma redução de tremores do seu pai ou qualquer outro efeito que produza uma melhor qualidade de vida para uma pessoa querida.

Você também não desistiria de algo que está dando certo! Por isso, eu e a maioria dos pacientes que tenho o privilegio de atender, também não desistimos. E qual solução atualmente que estamos dando para as pessoas que necessitam do medicamento? Plantar e fazer seu próprio remédio? Recorrer a óleos sem procedências, muitas vezes feito com produto do tráfico de drogas? Judicializar a medicação importada e passar a conta para o estado? Recorrer as associações de cultivo coletivo? Qual a melhor solução?

Com uma demanda cada dia maior, a Anvisa, depois de quase 7 anos, coloca em debate uma forma de regulamentar essa terapia, e pasmem, surgem especialistas que nunca estudaram essa terapia, pseudocientistas da moda, ministros confusos e toda e qualquer pessoa que queira cinco minutos de fama falando qualquer asneira, mas nenhum desses aceitam sentar e discutir soluções para de discutir apenas o problema.

Espero que a regulamentação da Anvisa consiga dar segurança e acesso aos pacientes, que as regras sejam claras e viáveis. Não será, nem de perto, uma regulamentação ideal, mas precisamos começar de algum lugar. Ignorar o problema ou joga-lo para debaixo do tapete do preconceito e obscurantismo científico não é uma solução. O momento que vivemos me lembra uma música dos Engenheiros do Hawaii:

Força não há capaz de enfrentar
Uma ideia cujo tempo tenha chegado
A força não é capaz de salvar
Uma ideia cujo tempo tenha passado

Precisamos ter normas e formas de facilitar e simplificar esse acesso aos que precisam. E minha sugestão para os comandantes dessa lei é que se coloquem no lugar daqueles que precisam e reflitam o que vocês fariam se estivessem no lugar deles. Boa sorte para todos nós!

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