Como a cultura 4:20 potencializa o mercado mundial da cannabis

No dia 20 de abril, os Estados Unidos celebram a data em alusão à maconha; nós conversamos com empresários do setor para mostrar o negócio bilionário que anda "lado a lado" com o lifestyle canábico

Publicada em 21/04/2024

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O dia 20 de abril é comemorado nos Estados Unidos em alusão à maconha. Esse movimento começou na década de 1970. A teoria mais provável para a origem do termo "420" é a de um grupo de estudantes da San Rafael High School, na Califórnia. A cultura popular diz que eles se reuniam para fumar maconha às 4:20 da tarde diariamente. Foi dessa história que surgiu a celebração associada ao consumo de cannabis. Nesta data, as lojas que comercializam a substância legalmente costumam realizar promoções para o consumo da planta às 16h20. Nasce, então, cultura 4/20. Diante das imensas possibilidades mercadológicas da cannabis, é possível afirmar que o ecossistema da planta vai muito além do que é sabido pelo grande público fora da bolha.

Para entender melhor todo esse contexto polêmico, desmistificar a cannabis é preciso. Esse é o recado do empresário, Alex Lucena. Em várias palestras, ele toma a liberdade de provocar o público com uma pergunta enigmática. "Qual o percentual de pessoas que fazem uso da maconha de forma adulta?" Segundo o diretor de Inovação e sócio da The Green Hub, alguns institutos de pesquisa sinalizam que 20% da população usa maconha para "ficar bem, ficar em paz ou curtir um filme com a esposa", exemplifica.

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Alex Lucena

Confirmado como palestrante do módulo Business Cannabis da edição 2024 do Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal, no mês de maio em São Paulo, Lucena propõe reflexões sobre o tema.  Ao fazer uma observação histórica, ele destacou que "o uso da maconha no Brasil é uma questão de sociedade. Sempre existiu e nunca deixará de existir" e citou três fatos que marcaram a trajetória da planta no país: 

Polígono da Maconha -  trata dos registros de plantações e do consumo social de maconha feitos pelo médico neurologista Jarbas Pernambucano, nos anos 1930; e pelo sociólogo americano Donald Pierson, nos anos 1950; comprovando a antiga presença da maconha no Polígono formado por 13 cidades de Pernambuco e da Bahia, na região do Baixo e Submédio São Francisco. 

"Verão da Lata" no Rio de Janeiro - os primeiros relatos aconteceram em 25 de setembro de 1987, quando pescadores na cidade de Maricá, no Rio de Janeiro, encontraram 18 latas contendo em média 1,5 kg de maconha em cada lata. 

Ilegal: A vida não espera - O filme Brasileiro de 2014 retrata a burocracia do acesso à maconha para fins medicinais e conta histórias de pessoas que sofrem preconceito por lutar pelo direito de usar legalmente remédios à base de cannabis para o tratamento de diversas doenças

"A cannabis medicinal foi o fio condutor para uma conversa sobre um tema que no Brasil ainda é muito polêmico. Por que não conseguimos tratar isso de uma maneira mais leve, olhando o lado positivo? Países como Alemanha e Canadá, altamente avançados intelectualmente enquanto sociedade, conseguem abordar o tema sem resistência; já o nosso país é um grande tabu. Eu fico me perguntando por que tanta resistência? Por que não olhar para esta planta com mais normalidade?", indaga. 

Ao continuar a provocação, destacou a importância da discussão lúcida. "Por que não tratar isso como um assunto normal dentro da nossa sociedade, como deveria ser, pensando que a maconha é utilizada por todas as classes sociais. Só não enxerga quem não quer ver."

Segundo Lucena, a problemática da cannabis no Brasil está além do que os olhos podem ver. "Eu digo que existem interesses poderosos por trás dessa conversa que não interessam à mudança do Status Quo, a maconha nas mãos dos traficantes e não na mão do governo, que deveria estar regulamentando e gerando empregos na indústria, dando segurança para o cidadão consumidor", diz. 

No ponto de vista dele, os movimentos ervoafetivos fazem parte do desenvolvimento do mercado, "como a Marcha da Maconha, que é mundialmente conhecida, sendo um movimento que não é voltado para a cannabis medicinal."

Indústria da Cannabis no Brasil

O empresário afirma que é necessário desenvolver o setor da cannabis industrial no Brasil, que já foi produtor de cânhamo. "Estamos tentando avançar com a pauta. Enquanto isso, a China, consolidada como o maior produtor e exportador de cânhamo no mundo hoje, é um país que tem restrições enormes em relação ao uso adulto da planta, e na minha cabeça não faz nenhum sentido o Brasil não avançar para voltar a ser uma potência na cannabis industrial. "Agora, falando do uso adulto, é um mercado gigante no mundo inteiro, incluindo o Brasil. Só não enxerga quem não quer", repetiu. 

Ainda de acordo com Lucena, o setor poderia ser explorado de outra maneira, como é feito na Califórnia e Nova Iorque, com regulação dos Estados que abrem espaço para canais de distribuição, promovendo o turismo e tantos outros fatores. "O Brasil está deixando de se aproveitar de uma indústria que existe e sempre existirá, é uma questão de pensarmos com quem essa indústria vai ficar. Na minha opinião, essa indústria deveria estar na mão do estado, tanto do ponto de vista de consumo como de negócios", finaliza. 

 

Empresário Danilo Lang destaca o potencial do mercado da cannabis no Brasil

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Danilo Lang

Danilo Lang, empresário e estudioso do mercado da cannabis no Brasil e no mundo, tem liderado o Cannabis e Empregos desde 2021, acompanhando de perto a evolução deste setor. Atualmente, a plataforma conta com mais de 6.500 profissionais cadastrados e 100 marcas anunciando vagas de emprego. Segundo um levantamento da Kaya Mind, considerando o quarto ano de uma regulamentação abrangente em território nacional, mais de 300 mil postos de trabalho poderiam ser gerados, especialmente em decorrência da cultura 4/20. A empresa de inteligência de dados também projeta que o amplo mercado canábico poderia gerar um faturamento de R$ 26,1 bilhões neste mesmo período, englobando o uso medicinal, utilização do cânhamo para a produção de fibras e sementes para alimentação e rações animais e também o uso adulto da substância, levando em consideração vendas no varejo e cultivo individual. 

"Devemos considerar que uma tabacaria ou uma head shop precisaria ter, além de dois sócios, pelo menos mais 3 funcionários. Então, um segmento como esse já movimentaria cinco empregos, ou seja, são mais cinco famílias beneficiadas pela renda desse mercado", conjectura Lang.

Ele destaca que o mercado da cannabis ainda está longe do seu potencial máximo no Brasil, especialmente considerando as oportunidades dentro da cultura 4/20, que poderia proporcionar uma enorme variedade de produtos e artigos.

O caminho para esse desenvolvimento esperado, segundo ele, é o empreendedorismo. "Quando falamos de empreendedorismo no país, especialmente no mercado da cannabis, estamos falando de criatividade. Na minha visão, os empreendedores têm como missão resolver problemas e tornar a vida das pessoas mais fácil", afirma Lang.

Ele observa que o cenário canábico está recebendo cada vez mais novas empresas, ressaltando o vasto oceano azul que já é perceptível. "É claro que tem muita gente fazendo mais do mesmo. Mas também vemos muitos empreendedores criativos trazendo novas soluções de produtos que não víamos no Brasil nos últimos 5 ou 10 anos", analisa.

Lang recomenda que as empresas inovadoras e criativas continuem desenvolvendo formas de sustentar suas operações com mais criatividade. "Não basta apenas lançar uma ideia inovadora. É preciso sustentá-la. As pessoas que estão à frente da operação precisam sustentar o modelo de negócio com mais criatividade. Empresas como a Bem Bolado e Papelito Brasil, constantemente, realizam ações de experiência para se conectar com o público. Vender um produto apenas por vender, outra pessoa poderia fazer isso por você. Mas uma vez que, dentro do mercado da cannabis, é iniciado o processo para criar experiência, conexão e relacionamento com o público, é possível abrir mais espaço nesse mercado."

Confirmado como palestrante do módulo Business Cannabis, do Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal, Lang destaca que muitas empresas são admiradas por sua forma de se posicionar e passam a ser disputadas no mercado. O empreendedorismo criativo chama a atenção de quem busca uma oportunidade no mercado de trabalho. Como exemplo, ele menciona a concorrência por vagas, onde uma única posição recebe centenas de currículos. Por isso, Lang enfatiza a importância da especialização através de cursos, networking e participação em eventos do mercado da cannabis, como a Medical Cannabis Fair e o Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal, que oferecem uma visão abrangente do setor.

Neste contexto, a formação de profissionais qualificados e com conhecimento sobre os produtos e as normas técnicas é fundamental para o surgimento de novas profissões. No curso da Cannabis e Emprego, direcionado para acelerar a carreira de empreendedores no mercado da cannabis, Lang destaca que "há mais de 315 profissões. E há muitas outras profissões que ainda não estão disponíveis no Brasil, simplesmente porque um produto não existe. À medida que temos mais variedades de produtos, o mercado vai exigir a capacitação de novos profissionais, seja através de cursos ou conhecimento livre."



Tendência em ascensão na economia

Nos últimos anos, o Brasil tem acompanhado a transformação promissora no cenário relacionado à cannabis, do comportamento social às leis. O paradigma em torno da planta está sendo desafiador, e as empresas estão se adaptando para capitalizar e contribuir para esse movimento.

Uma das mudanças mais notáveis é a crescente aceitação da cannabis medicinal entre profissionais de saúde e pacientes. O mercado medicinal trouxe um avanço histórico, permitindo o acesso a tratamentos que antes eram considerados tabu. Mesmo com a aprovação de Leis para integrar esses medicamentos ao SUS, a democratizando do acesso caminha à passos lentos devido ao atraso na regulamentação, mas é preciso reconhecer que é o começo de uma nova era da terapia canabinoide que pode proporcionar alívio para diversos sintomas adversos à saúde. 

No entanto, o setor enfrenta desafios especialmente no mercado ervoafetivo com um portfólio imenso de produtos e artigos. A proibição, o preconceito e a desinformação ainda são obstáculos a serem superados. Empresas como a Bem Bolado têm enfrentado dificuldades na comunicação de suas marcas devido à censura em plataformas de mídia social e à resistência cultural. Nos Estados Unidos, Canadá e México, a Meta, empresa de tecnologia detentora das redes sociais FaceBook, Instagram e WhatsApp, já autoriza anúncios relacionados ao CBD (canabidiol) para perfis com certificação LegitScript. Por aqui, a persistência e a criatividade têm sido fundamentais para conquistar espaço e construir uma base sólida de consumidores. Para entender melhor esse outro segmento do mercado, o Sechat conversou com Fabricio Penafiel, CEO da Bem Bolado. 

 

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Fabricio Penafiel


Quais foram as principais mudanças no Brasil em relação à cannabis? As empresas têm se comunicado com eficiência para mostrar ao público que o ecossistema da cannabis traz soluções sustentáveis, benefícios terapêuticos e inovações em diversos produtos?

Acredito que a maior mudança seja comportamental; antigamente, era mais difícil sair do “armário” e se assumir maconheiro.  A troca de informações corretas ajuda a quebrar tabus. Tenho visto muitas marcas fomentando essa “reeducação”.

Além disso, as novas gerações estão cada vez mais conscientes na hora de consumir, exigindo um posicionamento das marcas. A maconha é a maior commodity da atualidade; ela pode e já está mudando o mundo dos negócios. Quem não olhar para isso, pode acabar perdendo uma grande oportunidade.

Como você vê o crescimento e a aceitação da cannabis medicinal entre os profissionais de saúde e pacientes no Brasil?

A liberação medicinal foi um marco histórico na luta contra o proibicionismo no Brasil e no mundo; é através dele que outras discussões importantes, como a descriminalização, se tornam possíveis. A maconha pode curar e auxiliar nas mais diversas condições de saúde; negar isso é ignorar evidências científicas. Eu também considero que a integração da medicação pelo SUS é um avanço enorme nesse sentido.

Quais são os maiores desafios enfrentados pelo setor de cannabis no país e como eles podem ser superados? No seu negócio, por exemplo, ainda é um desafio apresentar a marca ao mercado? A comunicação precisa ser abrangente para atrair novos consumidores?

A proibição, o preconceito e as mentiras associadas à maconha ainda são o nosso maior desafio. Vivemos em um contexto político e social muito retrógrado; até hoje temos conteúdos derrubados nas redes sociais.

Nosso foco em construir uma comunicação e um branding criativo e brasileiro foi fundamental para a nossa trajetória. A marca ocupa um lugar especial no coração do maconhista; estamos nessa caminhada há 11 anos. Fomos a primeira marca a se posicionar como ativista; graças a isso, hoje é possível achar Bem Bolado em cada esquina e quebrada do Brasil.

Você acredita que o mercado da cannabis em todas as suas vertentes tem potencial para expandir ainda mais? Quais seriam os principais fatores que impulsionariam esse crescimento?

A legalização seria um dos maiores fatores para impulsionar o mercado, mas com toda certeza ainda é possível crescer mais! Estamos vendo apenas o início do que será o mercado canábico brasileiro. Somos um dos países com maior potencial para essa expansão comercial, do plantio à venda de produtos lifestyle; os números de consumidores são exponenciais.

Quais oportunidades de inovação você enxerga para o setor de cannabis no Brasil e como as empresas podem se preparar para essas inovações? Onde investir primeiro nesse setor?

Da gamificação ao cultivo, as oportunidades são infinitas. As marcas têm que estar antenadas nas tendências para poder conversar com um público que se torna cada dia mais exigente. Acredito que o ponto inicial ideal seja na criação de um produto diferenciado, produzido com bons conceitos de estratégia comercial.

Que conselhos você daria a quem está buscando um novo mercado para investir ou montar um novo negócio?

Esteja sempre aberto a aprender; você nunca saberá absolutamente tudo sobre um assunto, ainda mais se esse assunto for maconha.  O mundo está mudando cada vez mais rápido e você precisa entrar na mente e no coração do seu público para se manter no mercado.

Em segundo lugar, observe como agem e se posicionam as marcas que você admira.

Falar em cannabis hoje vai muito além do que "F1"?

A verdinha se tornou uma tendência de consumo, o mundo não para de lançar novidades, pesquisas e novos olhares para ela. O assunto “maconha” nunca esteve tão em alta e abrange os mais diversos setores: política, saúde, construção civil e agricultura. A maconha tem potencial para mudar o mundo como o conhecemos e por isso tanta gente tá começando a querer saber mais sobre ela.